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Hitler tem apoio de Vargas em novo romance de Miguel Sanches Neto
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Foto: Leo Aversa

Engana-se quem pensa que para escrever bem basta se deixar levar por uma inspiração que chega sem aviso. A boa literatura exige suor. Que o diga Miguel Sanches Neto, que lança hoje, nas Livrarias Curitiba do Shopping Palladium, o livro A segunda pátria. Foram empenhados três anos de muita pesquisa e trabalho árduo na conclusão da história que se passa durante a Segunda Guerra Mundial.

Após receber um convite da Editora Intrínseca para escrever um romance com o mote “e se Getúlio Vargas tivesse apoiado Hitler?”, Miguel mergulhou nas mais diversas referências históricas e literárias, como os livros Um rio imita do Reno, de Vianna Moog, e O guarda-roupa alemão, de Lausimar Laus, e muitos documentos da época. Assim, encontrou um palco perfeito para apresentar a romântica trama que desenvolveria a partir deste cenário.

Em entrevista ao Rodapé, o escritor, que se dedica inteiramente à literatura, fala sobre seu mais recente trabalho, suas principais influências e os desafios de viver da própria escrita.

A crítica literária pode ter um aspecto ácido e ser capaz de tolher muitos escritores pelo medo. Como é escrever ficção, crítica e lidar com críticos – tudo ao mesmo tempo?
Exige uma força de vontade que temos que inventar todos os dias. Não é só a crítica negativa que nos machuca, muitas vezes uma boa recepção de um livro se dá por algo que não valorizamos, e isso também fere. O escritor tem uma pele fina. Ele se fere fácil. Como crítico, eu fui feroz muitas vezes, mas hoje só me interessa escrever sobre aquilo que me atinge diretamente. Em relação aos críticos que escrevem contra meus livros não tenho hoje nenhuma mágoa. Eles ao menos tiveram o trabalho de ler.

Você já abandonou alguma ideia por medo de errar?
Não, nunca. Quem tem medo de errar não escreve livros. É preciso certa crença em si mesmo, uma valorização um tanto excessiva de sua capacidade de criação, para arriscar nesta área. O escritor é um ególatra. Mas já abandonei livros que esfriaram. Quando uma história esfria, ela encrua. Não serve mais.

Abusando do seu olhar crítico: que características deve ter a boa literatura?
A boa literatura tem que ter um cuidado extremo com a linguagem. Um texto literário são as palavras nas suas melhores relações de proximidade, de tal forma que nos pareçam novas. Mas este cuidado nada tem a ver com escrever de forma rebuscada, usando um léxico difícil com construções tortuosas. A linguagem perfeita é como um assoalho firme, sólido, pelo qual o leitor passa sem nem percebê-lo. Quando você percebe muito a linguagem, há alguma coisa falsa ali. Além desta linguagem cuidada, é preciso construir personagens e histórias que comovam o leitor. Um livro de literatura frio não tem o pode de nos levar a viver a história que estamos lendo. E este é o fim último de um texto, nos colocar no lugar do outro, e fazer com que vejamos o mundo com os olhos dele.

Você começou a ler Cruz e Souza logo na infância e nunca mais deixou os livros. Há alguma referência simbolista no seu trabalho?
Não houve uma influência direta do simbolismo nem de outra escola literária. A minha maior influência veio de escritores que naturalizaram a escrita literária, que se valeram de um estilo da oralidade para fazer grandes obras. Vai de um Lima Barreto a um recente Rubem Fonseca, para ficar no Brasil.

Que escritores influenciam sua obra com mais clareza? O que você carrega de cada um deles?
Quando você lê bastante literatura e também escreve – infelizmente há escritores que apenas escrevem sem ler nada –, você se torna uma espécie de herdeiro de todo o amplo passado literário. Mesmo não tendo lido centenas de autores, outros que li os leram, então eles estão presentes em minha escrita. Nesse sentido, toda a literatura universal me influenciou.

Você foi amigo da escritora Helena Kolody. Como foi essa relação e como esse contato influenciou sua produção?
A Helena Kolody me ensinou o difícil exercício da amizade. Eu tenho o mesmo nome do pai dela, então dizia que eu era o seu neto. Havia um carinho muito grande por mim, e era recíproco. A simplicidade lírica de sua poesia me agrada muito, aprendi um pouco com sua obra, tanto que meu primeiro livro – Inscrições a giz – foi dedicado à poeta.

Em muitas entrevistas, você diz preferir escrever romances, mesmo tendo publicações em outros gêneros. Qual é a importância da crônica e do conto na sua obra?
Eu comecei, na ficção, pelo conto, que é um gênero muito difícil, pois ou acertamos ou erramos. Depois me tornei romancista e só bem mais tarde cronista. A crônica me ajudou muito a observar o cotidiano e usar uma linguagem mais leve. O conto me ensinou a dar um acabamento melhor às narrativas. O romancista, para mim, é alguém que se vale de todos os gêneros para escrever. Por isso tenho preferência pelo romance.

Quanto tempo você se dedica diariamente à produção literária? Quais são as pessoas que mais te apoiam nesse trabalho?
Vivo integralmente para a literatura, seja lendo, escrevendo ou lecionando. Não gosto de futebol nem de nenhum outro esporte. Não sei cozinhar, não cultivo jardim, não vejo televisão. Todo o meu tempo eu gasto com a literatura. E quando vou descansar, eu leio literatura. Acordo muito cedo, lá pela cinco da manhã, e até as 22 horas tento fazer de tudo para não sair de casa, não me dispersar. Neste processo, minha mulher e meus filhos são fundamentais. Tudo em casa é resolvido sem mim, das contas a pagar ao agendamento do médico. E eles se moldaram a esta vida reclusa que levo, de poucos amigos, de isolamento na biblioteca de casa. Sem isso, eu não conseguiria escrever.

A carreira literária tem um glamour particular, mas também agrega grandes desafios. Pode nos contar sobre a dor e a delícia de ser escritor no Paraná?
Pois é, escrever se tornou moda. Vejo muitos jovens falando aos pais que querem ser profissionais da literatura. Isso é legal. Para mim, escrever foi uma forma de estar no mundo. Uma maneira de expressar este incômodo de não saber quem sou neste mundo no qual muitas vezes não vejo sentido. Nascer, crescer, trabalhar, ter filhos, criá-los e depois virar pó. A literatura é minha forma de tentar acreditar que estamos aqui para algo mais do que a rotina. Agora, ser escritor no Paraná, no interior do Paraná, como é meu caso, tem a grande vantagem da solidão. É uma coisa que não nos falta, e um escritor sério precisa muito dela.

A segunda pátria envolve grandes personalidades, como Getúlio Vargas e Oswaldo Aranha. Você precisou realizar algum tipo de pesquisa para fazer essas inserções? Houve dificuldade nesse processo?
Sim, muita pesquisa bibliográfica. Parti de relatórios policiais da época, publicados, alguns deles, em livros com teor jornalístico, e também das obras de ficção. Também foram fundamentais algumas teses de doutorado na área da história que começam a deslindar este período de sintonia com o nazismo. As maiores dificuldade foram a quantidade absurda de material sobre o nazismo em geral e o pouco material sobre o nazismo brasileiro, pois ocorreu um silenciamento destes episódios por décadas, pois ao alemães sofreram muita perseguição, e a maioria era inocente. Então faltam jornais do período, os trabalhos de divulgação nazista não foram traduzidos para o português, não há centros de documentação. Mas mesmo assim consegui reunir livros e documentos que me permitiram construir esta história que é totalmente fictícia.

A que atividades você tem se dedicado? Ainda escreve colunas?
Hoje estou organizando o passado, pois tenho centenas de textos perdidos em revistas, jornais e nas gavetas. Já saíram 4 dos 7 volumes de minhas crônicas reunidas. No meu site, estão todos os meus artigos de crítica. Falta ainda publicar uma ou duas coletâneas de ensaios acadêmicos. Hoje, escrevo apenas romances, contos, poemas, aforismos e os meus diários íntimos. Não quero mais escrever colunas, pois tomam muito tempo se queremos fazer um bom trabalho, e se não tomam tempo é porque saem uma porcaria.

O que está lendo?
A autobiografia de Arthur Schnitzler – Juventude em Viena (Record, 2015), traduzida pelo Marcelo Backs. E a reportagem A Ilha de Sacalina, de Tchékhov (Relógio D´Água, 2011). E o romance Judas, de Amós Oz (Companhia das Letras, 2014).

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Serviço:
Bate papo e sessão de autógrafos com Miguel Sanches Neto
Onde? Livrarias Curitiba do Shopping Palladium, Avenida Presidente Kennedy nº. 4121 – Portão, Piso L2, loja 2047.
Quando? Hoje, às 19h30
A entrada é gratuita

A segunda pátria, 2015

Editora Intrínseca
320 páginas
R$ 34,90

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