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O feminismo de Virgínia em 7 artigos
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“É indubitável que, se as mulheres fossem uma nação em vez de um sexo, o país delas não seria tido como um grande contribuinte para a arte das descobertas do mundo. É uma conclusão demasiado deprimente para as mulheres? Não vejo por que haveria de ser. Todos nós, na maioria, estamos acostumados à ideia de que não somos nenhum Aristóteles ou Rembrandt, e damo-nos por plenamente satisfeitos em disputar o sexto ou sétimo lugar (…)”.

Sentiu a ofensa? Foi essa a sensação de Virgínia Woolf, há quase um século, ao ler o artigo do jornalista e crítico literário Desmond MacCarthy, de onde tirei esse trecho.

Em 1920, o britânico resenhou um livro de Arnold Benett reafirmando o argumento do autor de que a mulher era intelectualmente inferior ao homem. Escritora, feminista e de inteligência inquestionável, Vírginia não deixou isso barato. Em resposta ao resenhista, que assinava sob o pseudônimo de Falcão Afável (só eu que achei meio brega?) fez menção a grandes nomes femininos da literatura, como Safo e Jane Austen.

O Falcão botou as asinhas de fora e perguntou à escritora porque, ao longo da história, tantos homens pobres, com recursos mínimos, como Newton e Mendel, alcançaram prestígio no campo literário, artístico ou científico e o mesmo não acontecia às mulheres com a mesma frequência.

A inglesa argumentou que elas estavam muito ocupadas sendo oprimidas e afastadas do cenário intelectual cujas chaves eram oferecidas de bandeja aos homens. E com exclusividade.E concluiu:

“Não tenho dúvidas que caso tais opiniões prevaleçam no futuro, continuaremos num estado de barbárie semicivilizada. Pelo menos é assim que defino a perpetuação do domínio de um lado, e de outro, da servilidade. Pois a degradação de ser escravo só se equipara à degradação de ser senhor”.

Mitou!

O Falcão ficou bem bravo. Menos afável do que dizia ser, escreveu uma resposta rasa, provocativa e sem nenhum argumento coerente.

“Se a liberdade e a educação das mulheres são dificultadas pela expressão das minhas opiniões, não discutirei mais”.

Essa discussão, que impulsionou Virgínia Woolf a escrever Um teto todo seu (1929), pode ser encontrada no livro Profissões para mulheres e outros artigos feministas, da Editora L&PM. Ali estão alguns de seus mais importantes discursos embasados em um feminismo claro, vivo e cheio de esperança que ainda hoje é capaz de nos acender.

O primeiro deles foi lido durante uma fala à Sociedade Nacional de Auxílio às Mulheres, em 1931. Nesse artigo, a autora aponta a necessidade de matar o que chama de “Anjo do Lar”, uma figura engessada de pureza e opressão usada para esqueletar o que as mulheres deveriam ser.

Ela também confessa as dificuldades que uma escritora tem de tocar em muitos temas e de expor determinados pontos de vista que, aos olhos da moral, não poderiam ser mencionados por uma verdadeira dama. No fim das contas, as escritoras se censuravam de maneira inconsciente.

Honesta, coloca o dedo na própria ferida e mexe também na dor de uma plateia que partilha das mesmas inquietações, mesmo sem saber.

Ao longo dos textos, Virgínia destaca que, em um mundo que nega quase tudo às mulheres, escrever é uma válvula de escape barata e produtiva, porque só demanda papel, caneta, tempo e disposição. Depois, fala da dificuldade de muitas escritoras para se consolidarem no meio literário e, com vários exemplos, nos dá a dimensão do quanto já caminhamos de lá para cá.

“Talvez não seja apenas na intenção de receber críticas imparciais que George Eliot e Miss Bromtë adotaram pseudônimos masculinos: talvez quisessem libertar a própria consciência enquanto escreviam, das expectativas tirânicas em relação ao seu sexo. Mas não podiam se libertar, e tampouco, os homens, de uma outra tirania, mais fundamental – a tirania do sexo em si”. (p. 28)

♥ O livro é leve, curto e pode ser lido em um dia. Coisa rápida. Mas esse breve mergulho é tão intenso quanto cada frase precisa da escritora, que em 7 artigos impecáveis, fala sobre o operariado feminino, a carreira artística das mulheres e se aprofunda, com ironia e perspicácia em um problema até hoje ainda nos dá uma porção de nós na garganta. Ao longo da leitura, Virgínia desamarra algum deles para a gente.

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Profissões para mulheres e outros artigos feministas, 2012
Virgínia Woolf
Editora L&PM
106 páginas

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