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Glauber e o transe de cada um
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Discutir o filme Terra em transe (1967), de Glauber Rocha, em sala de aula favorece o ensino de História? Sim. E a sugestão é do professor Sander Cruz Castelo, da Universidade Estadual do Ceará, em artigo publicado na Revista de História da Biblioteca Nacional, edição deste mês.

Com Terra em transe, assinala, “Glauber ataca todos os interesses do tempo do golpe civil-militar de 1964”. Para o professor, o filme “favorece a reflexão social e política no calor da recém-instaurada ditadura”.

Livros e mais livros

A quem interessar possa, o alentado texto também pode remeter a outros registros sobre a obra do cineasta, que, inclusive, na Universidade de Paris VIII-Vincennes, mereceu estudo de um grupo de análise fílmica. “Na decupagem técnica, a escrita se afirma como processo e não como reflexo. Trata-se, então, de analisar as representações ideológicas produzidas por esta escrita, recusando-se a considerar a formulação política como o significado direto do filme, mas atribuindo-lhe também a instância e de significante (articulada a outros significantes) e de referente último, cujo sentido não pode ser apreendido senão na construção de sistemas de significação.”

De Glauber sobre o próprio

Glauber: câmera na mão e uma ideia na cabeça: “Mais fortes são os poderes do povo!”

Em maio de 2005, a revista Indústria Brasileira, ao abordar o projeto de recuperação dos filmes de Glauber Rocha e outros diretores, como Joaquim Pedro de Andrade, publicou trechos inéditos de um press book escrito pelo cineasta para o lançamento de Terra em transe:

– É um filme urbano, direto, concentrado, violento, direto. É um filme onde não existem efeitos técnicos nem sequências de brilho. O que interessa é o seu todo dramático, a história que narra, os problemas que debate numa atmosfera onde o real e o fantástico se misturam dentro da maior liberdade possível. Recuso qualquer influência. Terra em transe é um filme meu, individual, sem referências abertas e sem qualquer macaqueamento.

– Não tenho pretensões de fazer grandes filmes. Tenho apenas a justa ambição de expressar a minha realidade da maneira que posso expressar. Viso todas as camadas do público. Se meus filmes são às vezes herméticos, reconheço que isso é uma falha minha. Mas só me sentirei bem como o cinema no dia em que, sem fazer concessões à pornografia e ao mau gosto, atingir o público. (…)

– Terra em transe é um filme sobre política e é um filme político. Ele não contém mensagens acabadas, eu não sou professor. É um espetáculo sobre política, um espetáculo sobre os problemas morais da política, um espetáculo sobre a consciência política e um espetáculo sobre os movimentos políticos.

– Técnica de filmar? Improviso total com os atores e a câmera. Mas antes dois anos de roteiro, setecentas páginas escritas e reescritas. Depois podemos improvisar à vontade, recriando o mundo, a atmosfera, os sentimentos.

O cinema vem do ator, do ar, da luz, dos cenários, do humor da equipe, da alegria ou da tristeza, do cansaço ou da disposição – conclui.

Da censura do Itamaraty à prisão

Terra em transe foi selecionado para a mostra competitiva do Festival de Cannes apesar da oposição do Itamaraty, que indicou para o festival Todas as Mulheres do Mundo, de Domingos de Oliveira.

Glauber foi preso em novembro de 1965 por participar do protesto contra a ditadura durante uma reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA) no Rio de Janeiro. Ficou preso durante 23 dias.

De 1971 a 1976, banido pela ditadura civil-militar, viveu no exílio.

Terra em transe conquistou o Prêmio da Crítica do Festival de Cannes, o Prêmio Luis Buñuel, na Espanha, o Prêmio de Melhor Filme do Locarno International Film Festival e o Golfinho de Ouro de melhor filme do ano, no Rio. Já com O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1968),  Glauber ganhou o prêmio de melhor direção no Festival de Cannes e, outra vez, o Prêmio Luiz Buñuel, na Espanha.

Ainda de Glauber:

– Inventar-te-ia antes que os outros te transformem num mal-entendido.

A quem interessar possa 2: parte do texto acima foi extraído dos  livros Cinema Moderno/Cinema Novo – José Álvaro Editor, 1966, de Glauber Rocha mais Gustavo Dahl, Luiz Carlos Maciel, Norma Bahia Pontes, Paulo Perdigão, Flávio Moreira da Costa, Jaime Rodrigues Teixeira e David Neves; Revisão Crítica do Cinema Brasileiro, de Glauber Rocha, Editora Civilização Brasileira, série Retratos do Brasil, 1963; e Roteiros do Terceyro Mundo, 1985, de Glauber.

ENQUANTO ISSO…

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