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O preso e os outros presos
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Dando uma espiadela no noticiário da BBI – a Briosa, Brava e Indormida Imprensa -, professor Afronsius ficou sabendo, por conta de uma matéria da BBC Brasil, da história de Júlio de Almeida, “o último prisioneiro da Ilha Grande, no Rio de Janeiro, três décadas após a implosão do presídio”.

Conta o jornalista Gibby Zobel que Almeida, 83 anos, “ganhou liberdade condicional antes da desativação da prisão, em 1994, mas decidiu cumprir lá mesmo o resto de sua pena”. Ele foi para o presídio em 1958 e continuou na ilha após ganhar liberdade condicional. “Neste ano, 2014, ele deve finalmente completar as sentenças por homicídio e roubo”, escreve Gibby Zobel, que conversou com Júlio “na ilha que – de criminosos e presos políticos – passou a receber multidões de turistas”.

Bem antes dos turistas

Vale lembrar Graciliano Ramos e seu livro Memórias do Cárcere, de 1953. Sem acusação formal ou processo, em 1936 foi preso em Maceió e encaminhado para Recife, de onde seria despachado para Ilha Grande, no navio Manaus. Ele e outros 115 presos. O país estava sob a ditadura de Getúlio Vargas. No Rio, até janeiro de 1937, Graciliano passou pela Casa de Detenção até ser conduzido à Colônia Correcional de Dois Rios (na Ilha Grande).

“Permutando cochichos” ou por conta do pronome da “língua Paraná”, alguns dos novos companheiros de cadeia chamaram a atenção de Graciliano, que passara a ser “simplesmente o preso número 3535”.

Está lá, na página 150 do segundo volume: “Os paranaenses, graves, metódicos, arrumavam-se para descansar da melhor maneira, examinavam lentos a sala acanhada, permutando cochichos”.

A descoberta da Língua Paraná

Prossegue o Velho Graça: “Lembrei-me de um caboclo da minha terra, impelido ao Sul finda a ilusão da borracha”. De regresso, “esse tipo me dissera: Vossa mercê não imagina. Em São Paulo há um bando de línguas. Língua Bahia, língua Mato-Grosso, língua Paraná. São diferentes da nossa, mas o senhor entende. O que ninguém entende é a língua Japão: essa é uma língua… Na verdade a do Paraná, como afirmava o tabaréu, compreendia-se bem: contudo o diabo do pronome, arrastado pelo velho Eusébio, chocava-me”. Ou, não “fluía simples e horizontal”.

Capote grosso dos paranaenses

Na página 155: “Afinal a chave rangeu na fechadura da porta, vultos deslizaram sem rumor, os capotes grossos dos paranaenses juntaram-se à entrada”.

Como Graciliano passava boa parte do tempo escrevendo e ensinando alguns presos e carcereiros a ler, o diretor suplente ficou intrigado. Depois de esbugalhar os olhos, inquiriu:

– O senhor é jornalista?

– Não senhor. Faço livros. Vou fazer um sobre a colônia correcional. Os senhores me deram assunto magnífico. Uma história curiosa, sem dúvida.

O médico dá as costas e sai resmungando:

– A culpa é desses cavalos que mandam para aqui gente que sabe escrever.

Memórias do Cárcere foi transposto para o cinema, de modo brilhante, pelo diretor Nelson Pereira dos Santos, em 1984. Carlos Vereza faz o papel do escritor.

Fica mais um registro.

ENQUANTO ISSO…

23 agosto (2)

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