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Katia B., uma carioca melancólica, delicada e densa
| Foto:
Daryan Dornelles/Divulgação
Katia B. lança o delicado e envolvente disco Pra Mim Você É Lindo

Katia B. Um B de Bronstein. Do B. talvez venha a melancolia. Da Katia talvez a solaridade carioca. Talvez seja o contrário. Talvez ela seja indivisível e não se possa compartimentar, separar e saber de onde vem as partes reflexiva, observadora, flâneuse baudelairiana, quase contemplativa.

Será que saem de lugares diferentes daqueles de onde ela nos dá sentimentos de domingos ensolarados, que nos impelem a viver para fora de nós mesmos, com vontade de encontrar pessoas, de dividir e de somar, de sair dando olás e como vais com sorrisos sinceros? Mas e quando ela fala de chuva? Então é melhor escutar com o(a) amante ao lado e aproveitar o aconchego doce de beijos de amora madura. E tem ainda a elegante, a prática, a engraçada…

Quem são Kátia B.? Quase sem segredos, revela-se múltipla na mesma unidade delicada, elegante e exigente.

Seu disco mais recente, “Para mim você é lindo”, é o quarto lançamento solo da cantora. O primeiro é do ano 2000, mas ela vem frequentando as bolachinhas (no caso, bolachona de vinil) desde 1993, quando participou do “Básico Instinto”, disco demolidor de Fausto Fawcet.

Mas vamos contar um pouco das histórias dessas Kátia B., que nasceu ruiva e de cabelos encaracolados e lá na escolinha judaica, uma gracinha nos seus 7 aninhos, era aluna de Henrique e Jaquinho Morelembaum. Influência da mãe, que vivia ouvindo música e se interessava por todas as artes. Na colônia de férias, a garotinha de óculos sempre carregava um violão e assim formava rodinhas em volta dela. Aprendia a tocar com o David Tiegel.

Artista múltipla

Também deu muitos rodopios em passos de balé e recitou peças de teatro, ao mesmo tempo em que cantava no coral do Egberto Gismonti, um amigo da família. Carioquinha, gostava de frequentar rodas de samba e dedicava parte do tempo a escutar a música mineira do Clube da Esquina. Estudou teatro com Perfeito Fortuna (do lendário grupo Asdrubal Trouxe o Trombone) e como colegas de turma tinha Bebel Gilberto e Cazuza (e Ruiz Belenda, filho do artista plástico e gráfico Belenda, de Curitiba).

Entre outros contatos artísticos também estavam Fausto Fawcet e Deborah Colker. O Circo Voador, ainda no Arpoador, surgia, recrutava e unia muita gente. E assim ela continuava no meio de tantas artes e artistas. Por causa da música, foi selecionada para participar do espetáculo “Chorus Line” (que projetou Claudia Raia) e de outros musicais.

“Nunca fui de uma companhia só, mas a música era o meu Norte”, recorda. Essas múltiplas habilidades ajudam um artista, certo? “Nem sempre, cada um achava que eu era outra coisa, ou seja, os atores achavam que eu era bailarina, os bailarinos achavam que eu era cantora …”.

Louraça beuzebu

O ponto de virada e a certeza de que o caminho era a música veio com o disco — e espetáculo — “Básico Instinto”, de Fawcet. Aquele mesmo que tinha a Falange Moulin Rouge e ela era uma das “loiraças beuzebus” que o acompanhavam. Tem até uma música chamada “Kátia Talismã”. Mas essa é uma história que ficou na história e agora a história é outra.

Então, vamos avançar rapidamente para chegar ao presente. Em 2000, além de lançar seu primeiro trabalho solo, também esteve presente no disco póstumo do produtor Suba, o iugoslavo-paulista que morrera tragicamente em um incêndio em 1999 (o disco “São Paulo Confessions” fora lançado primeiro no exterior e o produtor não chegou a ver o lançamento brasileiro). Foi Suba quem mixou o disco de estreia solo de Katia e deveria ser o produtor do próximo.

Em 2003, veio “Só deixo meu coração na mão de quem pode”. A música que nomeou o trabalho é uma parceria dela com Fausto Fawcet, Marcos Cunha e Plínio Gomes. O disco, e principalmente esta música, tocou pelas rádios e ela também rodou o país. O show captado no Itaú Cultural foi lançado em DVD.

O terceiro disco solo foi “Espacial”, em 2007, feito através de uma seleção em edital da Petrobras, que também fez o espetáculo rodar o país.

E assim chegamos ao presente.

Pra mim você é lindo

É um disco densamente delicado. Algo melancólico. Um mergulho sonoro em camadas que completam um todo, como em uma trilha de filme.

1 – Tudo começa com “Aprendendo a viver”, parceria dela com Rubinho Jacobina. um clima de amanhecer, de sair de crise e enfrentar a vida, um bolero-pop, se isso existir. “Esquecerei com alegria/ O pranto que secou”.

2 – Em “O Baile”, parceria com Jam da Silva, o dia já está com um céu totalmente azul e iluminado: “É na areia que eu vou caminhar/ E sentir o que é melhor para mim”. “É a música mais dividida, em que eu saio da zona de conforto do meu cantar”, explica.

3 – “A tua vida é um segredo”, de Lamartine Babo, é reconstruída com violões com um toque de um flamenco calmo que namora um fado, mas tem um caso com o samba-canção. “A tua vida foi sonho e foi ventura/ Foi lágrima caída/ No caminho da amargura/ São nossas vidas/ Comédias sempre iguais/ Três aos de mentira/ Cai o pano e nada mais”.

4 – Então vem “Bei Mir Bist Du Schon”, de Jacob Jacobs e Sholom Secuna. Música judaica que fala de amor e originalmente era alegre. O nome, traduzido é justamente “Pra mim você é lindo”. Mereceu várias versões pelo mundo e ficou conhecida principalmente pela americana, gravada pelas Andrew Sisters. Na voz e versão de Katia, a música ficou bem mais melancólica, quase mântrica. “Nunca tinha gravado nada em iídiche ou hebraico, nem falo a língua, mas tenho familiaridade”, diz a cantora e revela que até seu pai, que já conhecia a música, estranhou o andamento mais lento. A canção transpira amor, mas uma amor mais sofrido, que pode ser dito em todas as línguas. “I Could say belle, bella, even say wunderbar/ Each language only helps me/ Tell you how grand you are”.

5 – “Armadilha”, parceria com Dé Palmeira e Teresa Cristina, que também faz participação especial, continua em clima melancólico. Dia de chuva, friozinho, preguiça, namoro no sofá, aconchego. “Distraindo as horas/ Maravilha poder beijar”.

6 – “Le temps de l’amour” (Jaques Dutronc/ Lucien Morisse/André Salvet) muda a língua, mas não o discurso, que continua amoroso, mas um pouco mais alegre, ritmado. Dá para tocar no baile. “C’est le temps de l’amour/ Le temps des copains et de l’aventure”.

7 – “Seis Vidas”, parceria com Charles Gavin e Bernardo Bosísio, vem mais pop, o sol voltou e deu vontade de sair e viver o dia, fazer o seu próprio dia (ou fazer seu o próprio dia). “Quero acordar/ E sair daqui/ Me agarrar num trem/ Sem medo de cair”.

8 – “Where is your heart”, é assinada só por Katia e vem também melancólica, lenta, pianíssima, reflexiva, introspectiva. “I miss my paradise/ I wish I had been wise”.

9 – “Sem história”, de Antonio Saraiva, inicia com toques “tubular bells”, e a voz entra quase como uma oração. “Acho certo prosseguir/ Sem mentir pra não cantar”.

10 – “Sete mil vezes”, de Caetano Veloso, também inicia como mantra, mas aos poucos vai encorpando e a guitarra vai pesando. Uma happy hour que adentra a noite e vai ficando mais alcoolizada, termina em balada, mas sem exageros. “Noite feliz/ Todas as noites são belas”.

11 – “Depois do bloco”, parceria com Vic Barone, termina o disco como vinheta. E assim assistimos a um belo filme, visitamos um amigo, tomamos leve chuva em dia de calor, damos um abraço no filho e dizemos vai, eu confio em você. “Você dançou/ Meu coração não dói”.

Ouça abaixo todo o disco. Contatos para show em nosmesmos@uol.com.br, ou pelos fones 21 2572-2972 e 21 9145-2097.

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