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“Paixão pelo Mínimo Inútil” – Leo Prisco, músico que você não conhece porque está enfurnado em casa compondo e estudando piano, escreve sobre a trilha sonora no teatro em Curitiba
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Fonte: Wikipedia
Pietro Mascagni (1863-1945), Compositor italiano. Data 5 de março de 1903. Fonte da Wikipedia: Library of Congress

Só o necessário, nada de exageros. Quanto menos, melhor. Porque o enfeite disfarça o trabalho negligente, a não ser que seja necessário.

A arte deve abster-se ao essencial. Menos é mais.
Aceito este imperativo estético com alguma resignação. Ou não.

Porque ele está certo, o enfeite é uma maneira de valorizar algo que, por si só, valeria menos.

Se é belo ou feio ao ponto de pedir uma representação, a melhor maneira de fazê-la é ser fiel a crueza do seu motivo.

O problema com imperativos é que nem sempre a realidade obedece. Cavalleria Rusticana, ópera de Pietro Mascagni (1890), faz tudo menos obedecer este princípio, ao menos em tese.

Porque é uma representação exagerada de uma história de traição e morte igual a todas as outras, dificilmente seria lembrada sem a trilha sonora que a acompanha.

É mais e mais, e, quando não aguentar mais, mais um pouco.

Mesmo no exagero, falho em perceber quais notas ou instrumentos poderiam ser retirados da música sem comprometer completamente o resultado.

Alguém poderia notar, com razão, que a melodia permanece muito bela e apelativa mesmo se usarmos apenas três instrumentos.

Mas o mínimo necessário está no lugar errado, responde a obra; três instrumentos não seriam suficientes para indicar um sentimento avassalador, precisamos de mais.

Como em vários românticos tardios, para a obra esta suposta “superação” do motivo permanece puramente verbal.

Wikipedia
Template: Natalee Curtise

Amor, traição e morte são ainda condições violentas da nossa existência e devem ser expressadas com vigor.

Independente de qualquer conclusão sobre este ponto específico, é difícil criticar seu valor como arte. A obra é, no mínimo, cheia de inspiração:

http://www.youtube.com/watch?v=Xvdig4N0bpk

Um século mais tarde, Amélie Poulain. Sua trilha sonora, obra de Yann Tiersen, é quase a personificação do princípio de que menos é mais.

O tema fala por pouco tempo, desenvolve-se com poucos movimentos.

É profundo e expressivo mesmo assim. Sua ingenuidade melancólica combina com a personagem que representa.

Yann Tiersen tem razão contra Pietro Mascagni: não precisamos de muito para expressar o que é avassalador.

Pietro Mascagni tem razão contra Yann Tiersen: o que é violento merece ser reforçado, é apropriado.

http://www.youtube.com/watch?v=Dyo4tNwNIvQ

A diferença de caráter entre estas obras e a impossibilidade de compará-las em qualidade sugere a possibilidade de que princípios estéticos são o que são, apenas princípios. Não são leis da natureza.

Este fato, aparentemente óbvio, é amplamente contestado por uma série de artistas insatisfeitos até o mundo inteiro virar Amélie Poulain.

Esquecem completamente que o apreço excessivo por suavidade é marca da cultura francesa.

Este minimalismo impressionista, por assim dizer, não combina com qualquer contexto.

É como se metade dos pintores decidisse usar somente a cor cinza por dez anos a fio.

Há neste esforço o desespero por criatividade, pelo elemento incomum, que não vê alternativa senão imitar a última obra original – desde que seja socialmente aceitável, claro.

A novidade virou clichê, novamente. Para alguns, isto é o verdadeiro sinal do apocalipse. Novamente.

Este discurso finalista não passa de uma alegoria de mau gosto.

Declarar a “morte da arte” é um ridículo tão grande quanto a morte da História: ambas atividades só cessarão com a extinção da raça humana, talvez nem assim.

Este pensamento esconde confortavelmente a montanha que temos para escalar se quisermos saber alguma coisa sobre arte, ou produzir uma obra que seja lembrada pela História.

Não estou subestimando a educação informal (Cartola é um exemplo óbvio). Um pouco mais de atenção aos grandes “talentos naturais” revela algo em comum: todos são esforçados, quase nenhum percebe esta dedicação como esforço.

Volto para Chopin, quer dizer, Amélie Poulain:

A semelhança de sonoridade, principalmente na introdução, entre La Valse D’Amelie e o Noturno em Dó menor (op 48 no.1) de Chopin, 1841, é suficiente para considerarmos uma influência.

Isto não é reduzir Yann Tiersen a um imitador de Chopin, apenas usam da mesma cor. Chopin não é minimalista, mas Steffen Wick é:

http://www.youtube.com/watch?v=SQZpHRK91P0

É possível, então, considerar Yann Tiersen uma mistura de Chopin com Steffen Wick, nesta obra.

É um minimalismo romântico. Ficou melancólico e moderno. Como a personagem. Foi apenas uma escolha.

Não é uma lei da natureza. Esta escolha de cores não é o que define a personalidade de um artista, mas como elas são usadas.

Wikipedia
Medium watercolor and ink on bristol board/Current location
National Museum, Warsaw
Warsaw/Notas tradução livre: o retrato do compositor polonês Frederic Chopin foi pintado por Maria Wodzinska (1819-96),então com 16 anos. O retrato foi fotografado por Nihil Novi

Peço a seguinte reflexão: música é sonoridade, uma redundância digna de ser notada porque a língua brasileira soa diferente da francesa. Muito diferente.

Alguns elementos combinam naturalmente, mas não sempre, outros necessitam de uma aproximação mais cautelosa para ter o efeito desejado.

Das dez últimas peças a que assisti em Curitiba, dez ignoraram por completo esta escolha de elementos.

Não houve criação: todas as trilhas sonoras foram cópias de outras bem-sucedidas, inclusive no total silêncio, e o efeito desejado não foi atingido por falta de atenção ao contexto.

Cinco delas eram uma variação de Yann Tiersen ao lado de uma cadeira.

Deram a mesma atenção a detalhes que um aluno medíocre da terceira série dá a sua lição de casa, o que me permite falar em termos de falta de capricho.

Menos não é mais. Menos é menos e menos pessoas assistindo a peças.

Outro elemento em comum: das dez últimas, oito estavam vazias. Acredito que a platéia tem sua dose de culpa. Mas também acredito que, na quarta vez que te chamam de cego, é hora de procurar ajuda.

Leo Prisco

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