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A ciência torna obsoleta a crença em Deus? – Parte 2: Christoph Schönborn
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Depois desse feriadão curitibano, seguimos com as respostas que a Fundação John Templeton colheu para a “Big Question” acima. A segunda resposta vem de Viena…

Cardeal Christoph Schönborn: Não, e sim

User Th1979 / Wikimedia Commons
O cardeal Schönborn foi editor do Catecismo da Igreja Católica.

Antes de desvendarmos essa aparente contradição, queria comentar um pouquinho sobre esse cardeal austríaco, orgulho da ordem dominicana (o mesmo não se pode dizer dos dominicanos mais proeminentes do Brasil). Quando Joseph Ratzinger foi eleito Papa, eu acreditava firmemente que Schönborn seria o próximo prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cargo que Ratzinger ocupou até a morte de João Paulo II, até pelo fato de que Schönborn tinha sido o principal editor do Catecismo da Igreja Católica, lançado em 1992. No fim, o escolhido foi outro, mas pelo breve texto de Schönborn dá para perceber que ele levaria jeito para a coisa. Quer dizer, “breve” em termos, pois das 13 respostas, 11 ocupam três páginas na versão impressa editada pela Fundação John Templeton, e apenas duas ocuparam quatro páginas – a do cardeal é uma delas.

Então, como a ciência não torna a crença em Deus obsoleta? “O conhecimento que adquirimos por meio da ciência moderna torna mais razoável que nunca a crença em uma Inteligência por trás do cosmos”, diz o cardeal. De certa forma, Schönborn responde a Steven Pinker quando lembra as explicações científicas para fenômenos que eram atribuídos à ação divina, mas acrescenta que essa visão é superficial – na verdade, defende o cardeal, ciência, filosofia e religião trabalharam juntas em um processo de purificação da superstição. No caso da religião, Schönborn cita especificamente os judeus, que “‘desdivinizaram’ a Natureza em um grau sem comparação no mundo antigo”, escreve. E depois remete a Tomás de Aquino, para quem o governante sábio delega funções a subordinados competentes; paralelamente, na natureza, Deus governaria por meio das leis naturais que Ele colocou na criação.

Em seguida, o cardeal descreve como a visão dos materialistas gregos acabou desmontada pela própria ciência; ela demonstrou que o mundo material não é tão simples como aqueles filósofos imaginaram: a complexidade existe nos dois sentidos, microscópico e macroscópico, e é tanta que não pode ser atribuída a mero acaso: “a Natureza que a ciência moderna nos mostra incorpora e reflete propriedades imateriais e uma inteligibilidade profunda que vai muito além de tudo aquilo que os filósofos gregos poderiam imaginar. E ver todas essas extremamente complexas, elegantes e inteligíveis leis, entidades, propriedades e relações na evolução do universo como ‘fatos brutos’, sem necessidade de maiores explicações, é, nas palavras do grande João Paulo II, ‘abdicar da inteligência humana'”, afirma Schönborn.

Dito isso, o cardeal passa para a mentalidade moderna que gerou a filosofia segundo a qual os métodos e explicações científicas podem englobar toda a realidade. Obviamente, pensar assim conduz ao agnosticismo e ao ateísmo. Não é que todos pensem assim, diz Schönborn, mas a maioria não tem nenhuma alternativa racional para contrapor a essa mentalidade. Diz o cardeal que, nas sagas antigas, o conhecimento que levaria ao poder traria maior sabedoria e capacidade de apreciar o bom, o belo e o verdadeiro – no Kalevala, o poema épico finlandês compilado no século XIX por Elias Lönnrot, esta é uma idéia bem presente. Um dos heróis, Väinämöinen, fere o joelho com um machado, não consegue estancar a hemorragia e recorre a um ancião, que só consegue fechar a ferida depois que o herói lhe narra toda a história do surgimento do ferro (cantos 8 e 9); por ocasião de um casamento, a ama só consegue fazer a cerveja depois que ouve como a donzela Osmotar inventou a bebida (canto 20). Mas o que aconteceu neste século foi o oposto das antigas histórias: as pessoas se tornaram reféns do hedonismo, do consumismo e da cultura do entretenimento. Dizem crer em Deus, mas na prática vivem como se Ele não existisse e não têm tempo para as realidades espirituais. Exatamente o fenômeno que Bruno Tolentino descreve na compilação de suas últimas palestras, publicada no primeiro número da excelente revista Dicta & Contradicta: ele compara a santidade a uma velhinha que bate todos os dias à nossa porta, mas que nunca atendemos porque estamos muito ocupados cuidando da nossa vida.

Apesar disso, Schönborn termina com um tom confiante. “O fato de sermos capazes de reconhecer a desordem, a ruptura e o pecado são sinais de que eles existem dentro de um cenário maior, de ordem, beleza e bondade, do contrário não os reconheceríamos como tais”, diz, para avançar: “A consideração da ordem e da beleza na natureza nos leva a Algo, o ‘deus dos filósofos’, mas considerar como somos incompletos nos leva além, à procura de um Alguém que é o Bem para todos.” É uma análise que me agrada, e muito.

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Para conhecer mais sobre Christoph Schönborn:

Site aparentemente não-oficial, com biografia, textos e livros
Site oficial da arquidiocese de Viena (em alemão)

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