• Carregando...
A ciência torna obsoleta a crença em Deus? – Parte 4: Pervez Hoodbhoy
| Foto:

A quarta resposta à “Big Question” da Fundação John Templeton também vem de um físico, mas quase do outro lado do mundo, do Paquistão:

Pervez Amirali Hoodbhoy: Não necessariamente.


Pervez Hoodbhoy é autor de “Islam and Science: Religious Orthodoxy and the Battle for Rationality”

Fiquei com a impressão de que esse “não necessariamente” engana um pouco. No começo, o físico paquistanês defende que essa divindade seja science-friendly, ou seja, compatível com a ciência. E aconselha: “Verifique cuidadosamente o panteão dos criadores disponíveis. Se nenhum encaixar no conceito, invente um.” Parece que foi o que Hoodbhoy fez, mas a conclusão é de que o Deus defendido por Hoodbhoy simplesmente não existe em nenhuma das religiões com alguma representatividade no mundo. Levando ao extremo, esse Deus não teria sequer atributos divinos.

Vejamos: a divindade, para começar, precisa aderir estritamente às leis da natureza. Não pode sair por aí subvertendo tudo, sacudindo ou inundando a Terra só porque alguém (ainda que seja um número considerável de pessoas) pediu. Até aí, parece muito razoável, pois, se acreditamos que Deus criou as leis da natureza, é de se supor que Ele resolva deixá-las responsáveis pelas coisas que acontecem – o que nos remete à resposta do cardeal Schönborn, mais abaixo neste blog. A coisa começa a entortar quando Hoodbhoy afirma que essa divindade não pode sequer realizar prodígios: “conhecedora da Microbiologia e da Fisiologia, não pode curar leprosos mergulhando-os em rios, ou devolver pessoas sem um arranhão depois de serem devoradas por um grande peixe. Viagem a velocidades maiores que a da luz também estão fora de questão, mesmo para profetas ou mensageiros especiais”, diz. Dá para ver que Hoodbhoy conhece a Bíblia, ao menos no que se refere aos leprosos e ao profeta Jonas. Mas esse Deus, em vez de ser senhor das leis naturais, está mais para seu escravo.

A divindade do físico, na verdade, em vez de ser a criadora daquelas leis que a ciência tenta desvendar, parece ser uma grande cientista, que apenas conhece melhor essas leis do que qualquer pesquisador humano. E, ainda por cima, esse Deus, além de não poder ser onipotente, também não pode ser onisciente. “Onisciência e ciência não combinam”, diz Hoodbhoy. E ele se justifica com a ausência total de previsibilidade da mecânica quântica, aquela que Einstein rejeitou afirmando que “Deus não joga dados”. Mas então, se as leis da natureza estão praticamente acima desse Deus, que precisa conhecê-las bem (em vez de governá-las) para fazer seu trabalho – e ainda por cima não pode conhecer tudo – e segui-las estritamente, o que sobra de atributo divino a essa divindade? Não seria melhor começar a adorar as próprias leis da natureza de uma vez e colocar esse Deus de lado?

Hoodbhoy é consciente de que pode haver objeções a essa idéia de um Deus que, como o homem, está preso a regras. “Mas se dispensarmos essa exigência essencial, então sobrará muito pouco. Razão e evidência perderiam o sentido e seriam substituídos por tradição, autoridade e revelação. Seria errado para nós dizer que 2 mais 2 são 5, mas não para Deus. Séculos de progresso humano virariam pó”, afirma. Aqui eu acho que se faz necessária uma distinção entre impossível e absurdo. Absurdo é aquilo que, em essência, não pode ser feito (do contrário, não seria absurdo). Deus não pode criar quadrados redondos, ou, para usar um exemplo de um amigo meu, não pode criar uma pedra tão pesada que Ele não possa levantar. Mais um exemplo:

www.laerte.com.br / Reprodução autorizada

A tirinha é engraçada (eu sou fã das tirinhas de Deus do Laerte), mas filosoficamente falando mostra um absurdo. Então: um Deus mais, digamos, “tradicional”, faz o impossível (impossível para nós, ressalte-se), mas não o absurdo. Ele não pode fazer 2+2=5, não pode deixar de existir, mas pode curar leprosos. E o fato de não poder fazer absurdos não limita sua onipotência.

Hoodbhoy ainda lembra que, hoje, as pessoas acreditam em Deus, mas tomam antibiótico quando ficam doentes. Que, nas companhias aéreas muçulmanas, se começa um vôo fazendo uma oração, mas ainda assim todo mundo aperta o cinto. “O Deus medieval da religião clássica perdeu reputação e terreno”, diz. Bom, mais ou menos. Tomar antibiótico e usar cinto de segurança não significa confiar menos em Deus. O contrário – não se medicar ou não se prevenir achando que Deus vai segurar as pontas em caso de imprevisto – é que seria tentá-Lo. Atribui-se a Santo Inácio de Loyola a frase segundo a qual devemos rezar como se tudo dependesse de Deus e agir como se tudo dependesse de nós.

O físico conclui dizendo que Nietzsche errou ao dizer que Deus estava morto. E que muitos cientistas conseguiram conciliar fé e ciência (o original na minha versão impressa diz “faith and belief”, mas acho que se trata de um erro) “encontrando um Deus adequado, ou vestindo um Deus tradicional de modo apropriado”. Tudo bem, mas será que essa divindade “adequada”, ou “modificada”, continua sendo uma divindade?

——

Mais sobre Pervez Hoodbhoy:
Biografia na Wikipedia
Artigos no Chowk.com
Artigos na Prospect Magazine

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]