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A ciência torna obsoleta a crença em Deus? – Parte 6: Robert Sapolsky
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A sexta resposta à Big Question da Fundação John Templeton é outra que pode dar uma enganada no leitor (assim como a de Pervez Hoodbhoy). Seu autor é ateu, nascido em uma família de judeus ortodoxos. Neuroendocrinologista, hoje ele dá aulas na Universidade Stanford, e já virou até nome de música composta por uma banda hardcore britânica.

Robert Sapolsky: não

Divulgação / Stanford University
O neuroendocrinologista Robert Sapolsky.

Aí o leitor que tem alguma fé religiosa vai pensar “bom, ele vai dar uma explicação interessante”, quando na verdade o que vem por aí é um ataque à religião. Vejamos:

Sapolsky defende que a ciência não é um processo em que se busca a Verdade (com maiúscula), embora ele (felizmente) não seja do grupo pós-moderno que defende a inexistência de verdades objetivas. Elas existem, sim, e volta e meia os cientistas precisam abandonar certas teorias justamente por causa disso. Mas Sapolsky diz que não faz sentido que religião e ciência briguem para “ver quem tem a verdade mais verdadeira”. Para ele, a coisa não é por aí.

Uma abordagem mais sensata seria ver quem dá às pessoas mais possibilidade de mudar o desfecho de um processo. E aí, para Sapolsky, a ciência goleia. Diz ele que, diante de uma criança doente, dar antibiótico funciona muito melhor que ficar rezando em volta do pequeno. E funciona mesmo – lembremo-nos da citação que fiz no texto do Hoodbhoy, sobre agir como se tudo dependesse de nós e rezar como se tudo dependesse de Deus. O que Sapolsky não diz, ou não deixa claro, é se as duas atitudes são excludentes. Para um ateu, imagino que sim. Para quem crê, certamente não são.

Outra pergunta que Sapolsky faz: qual dos dois, religião ou ciência, é melhor para a sociedade? “Nesse campo, não há dúvidas sobre qual delas produziu mais dano historicamente (e ainda hoje)”. Para bom entendedor… claro, Sapolsky enumera as barbaridades cometidas pela ciência, mas diz que elas são pouco perto do que a religião fez no mundo. “O argumento de que gente como Torquemada são aberrações da religiosidade não faz sentido; eles são a única conseqüência lógica de algumas facetas da religiosidade. Dá para tingir o oceano com o sangue derramado pelas mãos da religião”. Ah, seu Sapolsky… se ele quer partir para a comparação, eu deveria lembrá-lo de que o sangue derramado pelas mãos do ateísmo apenas no século XX é que bate de longe o sangue derramado por pretextos religiosos nos últimos 20 séculos, e quiçá até além.

Sapolsky ainda diz que a religião não é útil sequer do ponto de vista do “conforto”. Para ele, não adianta nada um conforto causado por uma crença que… causa ansiedade. Ele não diz, mas eu imagino do que ele fala: toda essa coisa “repressiva” do pecado, da culpa, do inferno, não é?

Mas, então, se a coisa é desse jeito, qual a utilidade da religião? Diz Sapolsky que ela não se torna obsoleta porque produz êxtase. Não é um arrebatamento daqueles que a gente vê em Os Irmãos Cara-de-Pau, ou no grupo de oração carismático mais próximo, ou as experiências místicas vividas por uma Santa Catarina de Sena, ou uma Santa Teresa de Ávila (o que me lembra aquela escultura genial do Bernini), e sim um sentimento bom de ajudar, de fazer a coisa certa. Ciência não produz êxtase a não ser em alguns casos raros, segundo o cientista. E, acrescenta, “o mundo não seria um lugar melhor se não houvesse êxtase, mas seria se não houvesse religião”. Soa contraditório, pois se a religião é quem providencia o êxtase, se ela fosse suprimida o êxtase iria pelo ralo junto. A não ser que haja outras fontes, fora da religião, que fornecessem o êxtase de que Sapolsky fala (lembremos que não é aquele “ooooohhhh” que uma sonata do Mozart ou um golaço do Pelé poderiam causar). Mas Sapolsky não diz nem se existem essas fontes alternativas, muito menos quais poderiam ser essas fontes.

(Editado em 2 de outubro) De qualquer maneira, eu fiquei com uma pulga atrás da orelha: Sapolsky diz que, por um lado, a religião providencia êxtase. Mas, por outro, causa “dano histórico”* (passado e presente). Parece que, como em Love and Marriage, “you can’t have one without the other”. Se as pessoas pudessem escolher entre ter ambos (êxtase e “dano histórico”) ou não ter nenhum, qual seria a escolha?

* sempre coloco “dano histórico” entre aspas porque, obviamente, discordo da análise de Sapolsky.

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Para saber mais sobre Robert Sapolsky:
Perfil no site da Stanford University
Wikipedia

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