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"Por favor, esperem ali fora um pouco enquanto discutimos sobre como vocês foram criados."
"Por favor, esperem ali fora um pouco enquanto discutimos sobre como vocês foram criados."| Foto:

No fim do mês passado, coloquei aqui no blog um vídeo em que três líderes evangélicos americanos discutem o que seria o essencial, o não negociável, o mínimo que um cristão precisa aceitar a respeito da criação. Tim Keller, Russell Moore e Ligon Duncan concordam que esse essencial reside em alguns poucos pontos: a bondade da criação, a existência de um propósito no ato criador de Deus, na distinção fundamental entre criador e criatura, na existência de um Deus transcendente que cria o universo a partir do nada, e que o relato bíblico não é científico, mas uma descrição do relacionamento ideal entre Deus, sua criação e a mais especial das criaturas, o ser humano.

Até aí, tudo bem. Mas os três também incluíram na lista de essenciais a existência histórica de Adão e Eva, como um primeiro casal real. Foi esse aspecto que levou Deborah Haarsma, presidente da Fundação BioLogos (dedicada, como vocês sabem, a promover a conciliação entre evolução e cristianismo entre os evangélicos norte-americanos), a escrever uma resposta ao vídeo.

Na verdade, ela quer contestar especialmente Tim Keller, pois no vídeo ele defende que houve uma criação física, especial, diferenciada, de dois seres humanos, o primeiro casal. Deborah dá a entender que essa também é a opinião de Duncan e Moore, mas isso não fica evidente para mim no vídeo. Ela vai argumentar que sim, a BioLogos defende que o ser humano tem um status especial dentro da criação, que somos feitos à imagem e semelhança de Deus, que nosso relacionamento com Deus é único é diferente de qualquer outra coisa existente. Mas não dá para dizer que houve uma intervenção divina para criar um casal de seres absolutamente novos, que seriam nossos primeiros pais, pois a biologia e a genética atestam que a primeira população de Homo sapiens contava com alguns milhares de indivíduos.

A BioLogos rejeita o que chama de criação de novo de Adão e Eva, mas não parece defender alguma outra hipótese em específico. Neste texto, a fundação descreve alguns modelos que considera compatíveis com seus princípios. Eles vão desde leituras mais alegóricas, que descartam a existência real de um primeiro casal, até hipóteses segundo as quais, dentro de uma população inicial de Homo sapiens (maior ou menor, mais concentrada ou mais espalhada, dependendo do modelo adotado), Deus escolheu um casal para com ele iniciar uma relação especial, que no mínimo inclui uma revelação, mas eu suponho que também passa pela infusão da alma espiritual.

O grande ponto é ver como cada um desses modelos se relaciona com a doutrina do pecado original da forma descrita por São Paulo na Carta aos Romanos, como Keller, Duncan e Moore já tinham dito no vídeo. Até por isso a posição oficial da Igreja Católica, por exemplo, é a da existência real de um primeiro casal do qual toda a humanidade descende (o que se entende por “monogenismo”), mas sem entrar nos detalhes de como os corpos desses humanos foram criados, se eles nasceram de outros hominídeos (bem mais provável, na minha opinião) ou se foram criados diretamente por Deus por um ato extraordinário.

Assim, o pedido que Deborah Haarsma faz à Gospel Coalition é o de manter esse papo de criação especial, única de Adão e Eva longe do que consideram o essencial a respeito da criação, pois isso vai inclusive afastar aqueles que estão conscientes do que dizem a biologia e a genética a respeito das primeiras populações de humanos. Somos especiais, sim, feitos à imagem de Deus, sim, mas dizer que houve um primeiro casal criado direta e especialmente por Deus, sem ancestral nenhum, e que o cristão é obrigado a crer nisso, aí não dá.

Pequeno merchan

Além de editor e blogueiro na Gazeta do Povo, também sou colunista de ciência e fé na revista católica O Mensageiro de Santo Antônio desde 2010. A editora vinculada à revista lançou o livro Bíblia e Natureza: os dois livros de Deus – reflexões sobre ciência e fé, uma compilação que reúne boa parte das colunas escritas por mim e por meus colegas Alexandre Zabot, Daniel Marques e Luan Galani ao longo de seis anos, tratando de temas como evolução, história, bioética, física e astronomia. O livro está disponível na loja on-line do Mensageiro.

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