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O padre Joseph Laracy foi engenheiro da Nasa antes de se tornar sacerdote e vai coordenar um curso sobre "Criação e ciência" para seminaristas. (Foto: Ashley Wilson/Seton Hall University)
O padre Joseph Laracy foi engenheiro da Nasa antes de se tornar sacerdote e vai coordenar um curso sobre "Criação e ciência" para seminaristas. (Foto: Ashley Wilson/Seton Hall University)| Foto:

A partir desta quinta-feira até 1.º de fevereiro, um congresso no Arizona está reunindo vários especialistas da área de ciência e religião, como Jennifer Wiseman (da Associação Americana para o Avanço da Ciência) e Guy Consolmagno (o jesuíta diretor do Observatório Vaticano), e 15 representantes de diversos seminários católicos norte-americanos, que receberam bolsas da Fundação John Templeton para oferecer conteúdos de ciência e religião a seminaristas como parte de sua preparação para o sacerdócio. Uma iniciativa interessantíssima da Universidade John Carroll (que montou o projeto financiado pela JTF) e que merece ser acompanhada com muita atenção.

O padre Joseph Laracy foi engenheiro da Nasa antes de se tornar padre

O padre Joseph Laracy foi engenheiro da Nasa antes de se tornar sacerdote e vai coordenar um curso sobre “Criação e ciência” para seminaristas. (Foto: Ashley Wilson/Seton Hall University)

Conversei por e-mail com os responsáveis por três cursos. Todos foram enfáticos a respeito da necessidade de o clero ter mais conhecimentos sobre o tema, especialmente no contexto norte-americano. “Os fundamentalistas e os ateus militantes estão fazendo muita gente acreditar que a fé cristã e a ciência jamais podem ser reconciliadas. Os católicos têm a obrigação de combater esse erro”, diz o padre (e ex-engenheiro da Nasa) Joseph Laracy, do Seminário Imaculada Conceição, em Nova Jersey, que organizou um curso chamado “Criação e ciência”. “Não apenas o clero, mas todos os católicos precisam conhecer a contribuição da Igreja para o desenvolvimento da ciência e saber que a tradição teológica católica não vê nenhum conflito intrínseco entre ciência e fé”, acrescenta. Edward Hogan, que cuidará do curso “Ciência e teologia: em diálogo para a nova evangelização” no Seminário Kenrick-Glennon, no Missouri, diz que o primeiro motivo pelo qual um seminarista ou padre deveria se preocupar com temas de ciência “é o fato de Deus ter nos dado o dom da razão junto com o dom da fé. Trabalhar com apenas um ou outro é como respirar com um único pulmão – é possível, mas limita suas atividades”. Hogan concorda com o padre Laracy a respeito de a cultura atual propor o conflito entre ciência e fé e, por isso, é preciso haver quem mostre a verdade a respeito. “Mas é preciso saber o que as pessoas pensam, os seus pressupostos, as dúvidas que elas têm. É difícil proclamar o Evangelho sem saber a ‘língua local’. Quando se sabe o que está na mente e nos corações das pessoas, é mais fácil atingi-las, proclamar a Boa Nova de forma que lhes traga esperança e alegria.”

Stacy Trasancos, que vai coordenar o curso “Ciência à luz da fé” no Seminário e Faculdade Santos Apóstolos, no Connecticut, cita o físico francês Pierre Duhem, que em 1894 já havia escrito: “Digo com franqueza a todos os bons filósofos católicos que, enquanto eles continuarem a falar sobre ciência sem saber uma única palavra sobre isso, os pensadores-livres se divertirão às suas custas; para tratar de questões sobre filosofia católica e ciência, é preciso ter de dez a 15 anos na área” (alguém se lembrou do famoso alerta de Santo Agostinho?). Trasancos diz que o alerta de Duhem segue tão válido quando no fim do século 19, mas pode ser atualizado. “Claro que essa exigência de formação é irrealizável em nossos dias, mas hoje, com a difusão pública da ciência, se um seminarista souber como se virar com a literatura científica, mesmo de alto nível, ele poderá se manter atualizado nas áreas que interessam e ele e a seus paroquianos”, afirma. Para ela, é fundamental que o seminarista nunca perca de vista que não pode haver contradição entre a verdade científica e a verdade teológica, e que buscar as novidades científicas na fonte ajuda a entender como a ciência é construída e a evitar as armadilhas do que ela chama de “pop-science“.

Como se pode observar pela lista dos 15 projetos contemplados, os temas são variados e vão desde abordagens mais gerais até temas específicos como evolução, neurociência e biotecnologia. O padre Laracy explica por que escolheu o tema da criação para seu curso: “Esse conceito é essencial para desenvolver uma compreensão saudável da compatibilidade entre a ciência e a teologia. A criação, obviamente, é um tópico metafísico, ou seja, além da física”, diz, acrescentando que o curso também tratará de assuntos como evolução e mudanças climáticas.  Já Stacy Trasancos conta que um aspecto importante do seu curso é tornar os seminaristas capazes de ler artigos científicos, para que estejam atualizados com as novidades, principalmente nos campos da evolução, da genética e da neurociência, e avaliar o que leem à luz da fé católica, daí o nome de seu projeto.

Hogan colocou a “nova evangelização” como fator importante de seu curso. “Algo que o papa Bento XVI enfatizou foi trazer todos os recursos da tradição católica para nosso trabalho como teólogos e professores. E o papa Francisco enfatiza que temos de ir às pessoas onde elas estão, e um desses ‘lugares’ é a mentalidade científica, normalmente atolada na presunção de que ciência e fé estão em conflito. Quero que os seminaristas sejam capazes de ir até lá, com todos os recursos que a tradição católica oferece, para levar a Boa Nova do amor divino por meio da fé e da razão. Então, posso dizer que esse projeto é uma combinação das prioridades dos dois papas”, diz.

papa joão paulo ii

O papa João Paulo II já tinha pedido que a formação dos padres permitisse que eles pudessem participar do diálogo entre ciência e fé. (Foto: Yuri Cortez/AFP)

Os três coordenadores com quem conversei deixaram claro que é a primeira vez que conteúdos desse tipo são oferecidos em seus seminários, embora, em algumas instituições, outras disciplinas já tratassem, de passagem, de alguns assuntos de ciência e fé. “Quando converso com os colegas aqui em St. Louis, eles perguntam ‘mas tem mais alguém fazendo isso?’. Eles querem saber se existe mesmo uma preocupação com ciência e fé, e se vale a pena fazer algo nessa área. Agora posso dizer que há pelo menos 15 de nós cuidando disso e, quando eu voltar do Arizona, tendo detalhes dos outros projetos, posso encorajar a equipe daqui, fazê-los saber que há gente trabalhando no assunto”, afirma Hogan.

As aulas devem começar para valer no segundo semestre de 2016 e o projeto termina no meio de 2018. Embora o público-alvo prioritário sejam os seminaristas, alguns cursos serão abertos para sacerdotes e católicos leigos. “Num nível mais profundo, estamos cientes de que tudo o que fazemos não é só para esses homens, mas para o povo que eles vão servir. Então o alvo final do projeto é ajudar as pessoas nas paróquias! Se perdemos isso de vista, não entendemos pra que serve um seminário”, diz Edward Hogan. A maioria dos cursos será oferecida no formato tradicional de aulas, com algumas variações: o curso de Stacy Trasancos, por exemplo, usará muitas aulas on-line (modelo que ela domina desde que deixou a DuPont, onde fez carreira na área química, para cuidar dos filhos em casa). Seus alunos, posteriormente, desenvolverão um site e farão papers no mesmo modelo dos artigos científicos que analisarão. Entre as atividades propostas por Hogan estarão duas “conversas de elevador”, em que os seminaristas terão 60 segundos para responder a alguém que diga “então, padre, o senhor não crê na evolução, pois ela contradiz a Bíblia” ou “então, padre, o senhor não se opõe à evolução, pois não lemos a Bíblia literalmente”.

A iniciativa ganhou apoio do Vaticano. O arcebispo Jorge Carlos Patrón Wong, secretário para Seminários da Congregação para o Clero, enviou uma carta à coordenadora do projeto, Doris Donnelly (que não pôde responder às perguntas enviadas pelo blog), manifestando seu apoio e o do cardeal Beniamino Stella, prefeito da congregação. “O projeto (…) é de profunda importância no esforço de formar sacerdotes capazes de dialogar com a sociedade contemporânea do século 21”, diz a carta. De fato, trata-se de cumprir o que o papa São João Paulo II pediu em 1992, na sua carta Pastores dabo vobis, sobre a formação dos padres, um dos vários documentos citados no próprio site do projeto para justificar a preocupação com o tema: “A situação atual, profundamente marcada pela indiferença religiosa e ao mesmo tempo por uma difusa desconfiança relativamente às reais capacidades da razão para atingir a verdade objetiva e universal, e pelos problemas e questões inéditos provocados pelas descobertas científicas e tecnológicas, exige prementemente um nível excelente de formação intelectual, que torne os sacerdotes capazes de anunciar, exatamente num tal contexto, o imutável Evangelho de Cristo, e torná-lo digno de credibilidade diante das legítimas exigências da razão humana”.

Como eu disse no começo, é um projeto fabuloso. Quando fiz a sondagem com seminaristas brasileiros em 2011, uma das coisas que descobri foi que mesmo aqueles que não demonstravam interesse pessoal em temas de ciência e fé consideravam o tema importante. Que esse projeto seja a semente para algo mais amplo e que inspire outros seminários, dentro e fora dos Estados Unidos, a incluir o tema na formação de seus candidatos ao sacerdócio.

(Aviso: A Fundação John Templeton, mencionada neste post, ajudou a bancar a viagem e a hospedagem do blogueiro para um workshop em Oxford, em 2013.)

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