• Carregando...
Luca, de dois anos, vegano desde que nasceu. Foto: Nicole Silva/Arquivo pessoal
Luca, de dois anos, vegano desde que nasceu. Foto: Nicole Silva/Arquivo pessoal| Foto:
Foto: Nilo Netto/Arquivo pessoal

Alimentação vegana para crianças não significa monotonia: Joaquim, de dois anos, belisca um pastel assado de um prato bem colorido preparado pelos pais. Foto: Nilo Netto/Arquivo pessoal

Desde que aquele vídeo da criança que não quer comer polvo virou um viral (lembram?), li alguns relatos um pouco desesperados de pais que não sabem o que fazer com as crianças que rejeitam carnes. E justo esta semana saiu uma reportagem muito bacana no portal Uol, sobre nutrição para crianças vegetarianas. Fala sobre substituição de alimentos proteicos e traz uma lista com os 11 grãos, castanhas e leguminosas mais ricos em proteínas. A verdade é que o drama da maioria dos pais não é o filho que não come carne, mas o que não come verduras. E aí entra a troca de figurinhas com pais e mães veg(etari)anos.

No início desse ano conversei com alguns pais sobre o cotidiano e a alimentação de bebês e crianças e resolvi juntar essas entrevistas para tranquilizar parentes, amigos e futuros pais e mães que não sabem lidar com esta pequena restrição de quem não come carne, mas também para mostrar como hábitos da família ajudam as crianças a comerem mais verduras (e sem fazer cara feia). E aos preocupados com a saúde, ninguém melhor que uma nutricionista vegana para dar o recado: “A dieta vegetariana por si só não traz riscos de deficiências. Pelo contrário: é plenamente capaz de atender às necessidades nutricionais das crianças. A preocupação diante de uma criança vegetariana ou vegana é compreensível, mas devemos refletir: por que é considerado normal e aceitável crianças que se alimentam diariamente de salgadinhos, refrigerantes e fast food, mas é tão polêmico uma criança simplesmente não comer carne?”, questiona Natalia Chede.

Imagem: Reprodução/Youtube

Lembram do Luiz Antonio, que se recusou a comer o polvo? Imagem: Reprodução/Youtube

À exceção da vitamina B12, que deve ser suplementada em pessoas que não consomem alimentos de origem animal (leia mais neste post), todos os minerais, vitaminas e proteína podem ser encontrados em verduras, frutas, legumes, castanhas e sementes. Luciana Rangel, chef integrante da cooperativa Rango Vegan, é mãe de Kirtana, de 17 anos, vegano desde que nasceu. Na época, ela e o marido Robson não encontravam informações facilmente. A internet não era tão acessível, nem tinha tanta informação. Luciana conta que a maior ajuda veio do livro “Mamãe, eu quero”, da jornalista Sônia Hirsch, que ensina receitas e repassa informação nutricional de forma divertida: “Tirem-me da frente de uma tigela de nata! Leite de vaca é uma gostosura, e também se não fosse não fazia o sucesso que faz. Docinho, né? Mui doce, três vezes mais que o leite humano. O açúcar dele se chama lactose. Para digerir essa lactose o pâncreas tem que fabricar uma enzima chamada lactase, ase, com a. Mas vejam só, na maior parte do planeta você só produz essa enzima até, no máximo, os 7 anos de idade. Daí para a frente a natureza acha que já dá pra você se virar sem leite, e até sem mãe, que afinal você já tem todos os dentes”, diz um trecho do livro. Para a mãe de Kirtana, os hábitos alimentares da família nunca foram um empecilho para frequentar festinhas de aniversário. “Ele se virava tranquilamente levando algum lanche ou comendo pipoca e refrigerante, bebia e comia, se não ficava numa boa brincando, ele sempre foi muito tranquilo em relação a isso”, conta Luciana. Hoje, Kirtana pegou o gosto pela cozinha e prepara yakisoba, grão-de-bico, lentilha e ervilha.

Kirtana, Luciana e Robson: família vegana há 17 anos. Foto: Arquivo pessoal.

Kirtana, Luciana e Robson: família vegana há 17 anos. Foto: Arquivo pessoal.

Para quem tem um pequeno vegetariano em casa, a dificuldade vai além do “não gosto” ou “não quero”: muita gente não respeita a opção dos pais e acaba interferindo no cardápio das crianças. Cesar Obeid na palestra “Falando de vegetarianismo para crianças”, na primeira edição do VegFest, comentou que é inevitável que outras pessoas (da família, da escola, do trabalho e de outros círculos sociais) tentem interferir na alimentação da criança; seu exemplo foi contar que, vez ou outra, sua filha volta da casa da avó contando que comeu carne. É preciso paciência. O autor infantojuvenil reforçou a necessidade do diálogo franco — tanto com a criança, quanto com os adultos — de explicar os motivos que a família tem para adotar uma alimentação “diferente”. Nilo Netto, pai de Joaquim, de dois anos, concorda: “A informação deve ser compartilhada com a criança. Explicitar as razões fundantes do vegetarianismo é fundamental. Cada pessoa, cada família, adota essa orientação alimentar por distintos motivos, e esses deverão ser explicados o mais cedo possível à criança, que vivenciará um mundo hegemonicamente ligado à outra forma de relação alimentar. É claro que de forma apropriada à idade da criança! De forma simples, mas não menos séria e importante. Isso fortalecerá a criança, seu desenvolvimento cognitivo em relação às formas de expressão dos pensamentos em sociedade, e quiçá garantirá as opções futuras na alimentação de nossos, hoje, pequenos filhotes”, disse Nilo, por e-mail.

Pais veganos, é óbvio, são as melhores fontes para se perguntar como fazer a criança comer mais vegetais. A prova é o dono do bracinho que abre este post, um adorável devorador de rúcula, banana, pepino branco e tomate. A primeira vez que vi o Joaquim ele estava comendo alguma coisa salgada e tinha um cubinho de tomate na mão. Olhou pra mim e fez aquela cara de “quer?” estendendo a mãozinha. Ele é vegano desde a barriga da mãe, Thays Teixeira, e começou a comer alimentos sólidos aos seis meses. “Ele não era um grande fã de beterraba, por exemplo. Mas reduzimos as porções e hoje ele come bem. Algumas coisas ele não gosta por causa da textura e recusa, mas vamos dando um jeitinho”, conta Nilo. Por mais receptiva que algumas crianças (vegetarianas ou não) sejam a frutas e verduras, é sempre uma batalha fazê-las comer certos alimentos. Minha colega Amanda Milléo, do Viver Bem Saúde & Bem-Estar, escreveu uma matéria bacana para ajudar os pais nessa empreitada.

Joaquim. Foto: Nilo Netto/Arquivo pessoal

Joaquim. Foto: Nilo Netto/Arquivo pessoal

Apesar de não existir uma forma mágica para incluir mais frutas e verduras no prato da criança (seja ela vegetariana ou não), Luana de Oliveira, mãe de Ananda, de quase dois anos, acredita na persistência. “O segredo é a insistência e a sensibilidade para notar o que a criança não gostou. Eu, por exemplo, descobri que minha filha não gosta mais de legumes amassados, prefere em pedaços, mas se tivesse desistido de dar quando ela começou a recusá-los, nunca descobriria isso! Ter sempre uma grande variedade de alimentos saudáveis em casa e evitar comprar e comer porcaria na frente da criança também é importante pra cultivar bons hábitos alimentares”, sugere. A mamãe norte-americana Nicole Silva tem um bebê de dois anos e encoraja os pais a experimentar preparar mais texturas e temperos diferentes para aguçar o paladar da criança: “Meu conselho é introduzir muitos vegetais diferentes desde cedo, e não ter medo de usar molhos e temperos para desenvolver o paladar da criança. Coloque curry no brócolis, cúrcuma no espinafre e canela nas batatas-doces! Isso vai ajudar a criança a se acostumar com diferentes sabores e ainda terá as propriedades nutricionais e saudáveis dos temperos. Por exemplo, a cúrcuma é anti-inflamatória”, aconselha. “Eu brinquei esses tempos no Facebook dizendo que um dos momentos em que mais senti orgulho foi quando tive que esconder outros alimentos em folhas de couve para o Luca comer”, ri Nicole.

Luca, de dois anos, vegano desde que nasceu. Foto: Nicole Silva/Arquivo pessoal

Luca, de dois anos, vegano desde que nasceu. Foto: Nicole Silva/Arquivo pessoal

E as crianças pequenas, como Ananda e Luca, podem comer “de tudo”, segundo as mães. “A Ananda come arroz integral, feijão, quase todos os tipos de legumes, algumas verduras de vez em quando, grão-de-bico, tofu, pão integral, praticamente todas as frutas. E, nas comidas salgadas, costumo temperar com manjericão fresco, orégano, cominho, louro, de vez em quando um pouco de páprica doce e sempre azeite”. Luca mamou até os seis meses e depois Nicole introduziu alimentos em pedaços pequenos, para que ele explorasse por conta própria, como abacate, banana e batata-doce cozida. “A partir dos noves meses o Luca começou a comer vegetais folhosos, como couve, espinafre, acelga, e também lentilha e feijões, brócolis, quinoa, mini hambúrgueres feitos em casa, sopas, guisados, risotos e vegetais no vapor”, contou.

***

No caso de a criança “supreender” os pais onívoros com a decisão, a nutricionista Natalia tranquiliza: “Se a alimentação da familia já é equilibrada, não será necessário quase nenhuma mudança. Se o consumo de frutas, hortaliças, cereais e grãos for hábito da casa, independentemente do consumo de alimentos de origem animal ou não, esses alimentos devem continuar na mesa! Se a criança consumir derivados como ovos e laticínios, os pais devem ter o cuidado de não exagerar nesses alimentos, principalmente nos laticínios, que são relacionados a alergias e outros problemas de saúde comuns na infância. A ingestão de alimentos fonte de cálcio e de proteínas é importante nessa fase, mas esses nutrientes podem ser obtidos em uma dieta 100% vegetariana sem problemas”. Infelizmente o desconhecimento de alguns médicos em relação à alimentação sem carne ainda é um pouco preconceituoso, como dá para ver nesse relato de uma mãe vegana. O portal Comer para Crescer fez um material bacana dividido em quatro partes sobre possíveis deficiências nutricionais e que alimentos devem estar na alimentação dos pequenos.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]