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Construção do paladar começa na infância
A construção do paladar começa desde cedo. Para usar um ditado análogo à gastronomia, “é de pequenino que se torce o pepino”. Jean-Anthelme Brillat-Savarin, no livro A fisiologia do gosto, fala que “os prazeres da mesa pertencem a todas as idades, todas as condições, todos os países e todos os dias”. A frase é perfeita. Mas, fale isso para uma mãe que, por exemplo, não se conforma em ver sua filha comer apenas arroz e feijão. Todos os dias. No almoço e jantar.
É aqui que entra a educação do paladar. Quem tem dificuldade em fazer seu filho comer bem, certamente conhece o programa Socorro! Meu filho come mal, do canal GNT, apresentado por Gabriela Kapim. Ela diz que nunca é tarde para educar o paladar. “Ele é muito maleável e adaptável. É possível que nós adultos, ao experimentarmos um alimento ou bebida na primeira ou segunda vez não gostemos, mas se insistirmos acabamos nos acostumando ao novo sabor. É importante que a criança aprenda a variação de sabores”.
E aquilo que se acostuma a comer desde cedo provavelmente vai fazer parte do seu gosto, acrescenta Maria Cecília Pilla, estudiosa sobre a história da alimentação e professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). E parte do processo de construção do paladar também passa por sabores que você não vai gostar.
A ideia é ensinar a criança a experimentar novos sabores, texturas e alimentos de cores variadas e nunca esconder determinado ingrediente dentro da preparação. Ela deve saber o que está comendo. Vale lembrar que as crianças já nascem com algumas predileções. A escritora Karen Le Billon, autora do livro Os 7 segredos para criar filhos bons de garfo, diz que, de maneira geral, as crianças gostam mais de açúcar e gordura e gostam menos de sabores azedos, amargos e alcalinos (caracterizados pelas hortaliças). Entre as texturas, causam maior rejeição as difíceis de manipular, como as escorregadias (cogumelos), duras e crocantes e que combinem duas consistências (como o tomate). Há ainda o problema das cores. A cor verde é a mais complicada.
Para ajudar a desenvolver o paladar das crianças, o Bom Gourmet convidou as profissionais Ana Teresa Londres, pediatra com especialização em Nutrologia Pediátrica; a cozinheira Elaine Bublitz, que já passou por restaurantes como Zea Mais, Bistrozinho, Maní (SP) e agora dirige a cantina Flammk que fica dentro do Celin na UFPR; e Denise Pereira, que é proprietária do Bistrozinho e tem conhecimentos sobre Psicologia e Gastronomia, à prepararem pratos que estimulassem de alguma forma. O trio criou e sugeriu receitas que desenvolvem o paladar a conhecer variedades de texturas, sabores ou cores.
Um, dois, feijão com arroz
Nosso primeiro erro é esperar até os seis meses da criança para introduzir novos sabores aos pequenos, diz Bee Wilson, no livro The First Bite. Pesquisa mostra que entre quatro e sete meses os bebês são extremamente receptivos ao sabor. O segundo é começar com sabores “brandos” como cenoura e batata doce em vez de vegetais mais complexos, como espinafre e brócolis, para familiarizá-los com as sensações gustativas amargas.
Porém, é importante que a criança também participe do processo de escolha, explica Ana Teresa Londres. Mas, isso não pode enveredar para chantagens, por exemplo. “Você tem que fazer da refeição, algo normal e prazeroso. Valorizar, mas sem criar estresse”, ensina.
Salada, saladinha
Ok. É fácil falar. Mas, como colocar em prática? Gabriela Kapim dá dicas para começar essa educação. “Oferecer sempre e não se abater na primeira recusa da criança é um bom começo”. Além disso, fazer preparações diferentes para um mesmo alimento também é uma boa estratégia. “A cenoura pode virar um bolo, um suflê, um purê, ela pode aparecer cozida, crua, assada…e em cada preparação ela apresentará um sabor diferente”.
Elaine Bublitz, diz que não há uma “fórmula mágica” para a criança experimentar – e gostar – de novos alimentos. “Tem que fazer o esforço de tentar. Conversar, dar o exemplo, fazer a criança participar da receita e não colocar o alimento como algo saudável, uma espécie de remédio”, são algumas dicas dela.
“Uma das melhores coisas que podemos fazer pela saúde de uma criança é expô-la a comidas saudáveis. Se ela não tiver interesse em comê-la, coagir, ameaçar ou mesmo substituir a comida apresentado por outra inadequada nunca serão boas estratégias. Insista nas opções saudáveis, alguma hora ela irá ceder”, diz Gabriela Kapim.
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A importância do estímulo
Antonia Fleischfresser Affonso da Costa, 12 anos, sempre foi uma criança curiosa, conta a mãe Priscila. “Ela cozinha desde os 6 anos. E aqui em casa sempre incentivamos que experimentasse novos sabores, como a comida indiana e japonesa”, exemplifica. Antonia, que já fez aulas de culinária, prepara desde ovo mexido até camarão tailandês e chicken tikka masala. “Sempre cozinho com a minha mãe, mas me viro bem sozinha”, diz ela. A sua culinária preferida é a indiana. Até no rol de doces ela se aventura. “Adoro fazer nega maluca. Recheio com brigadeiro. Mas, quando tem granulado, uso na cobertura”, diz.
Na casa de Lucimara Mussatto há dois casos extremos. Lívia, que tem 12 anos e fez curso de chef júnior, sempre comeu de tudo e adora cozinhar. Já Murilo, seu irmão, é o contrário. “É uma guerra para comer desde pequeno (hoje ele tem 16 anos)”, diz Lucimara. Nem mesmo o incentivo e os dotes da irmã o incentivam. “Ela até faz alguns pratos para ele, mas é muito difícil”.
Em tempo, essa que vos escreve tem um caso “difícil” em casa: uma criança que só come arroz e feijão. Seguindo conselhos dos profissionais ouvidos nessa reportagem, coloquei verduras e legumes no prato e ela já aceitou. Aguardamos o próximo passo: experimentá-los.
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Dica
Conversar, dar o exemplo e expor a criança a ingredientes saudáveis é primordial. Colocá-la para fazer a refeição junto com os pais também ajuda nessa descoberta de novos sabores.
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A escola é aliada
Na Finlândia, o governo criou o sistema de ensino Sapere, baseado em introduzir às crianças aos aromas, sabores e texturas dos alimentos na escola (por exemplo, a beterraba é cozida em uma panela e as crianças veem como ela deixa a água roxa).
A escola, aliás, deve valorizar a educação alimentar. A chef Sandy Kuchnir deu aulas para crianças de 3 a 5 anos em uma escola particular e diz que o retorno foi superbom. “Elas tiveram maior contato com a comida. Até no Petit Bom Gourmet (ela deu aulas no espaço por cerca de um ano) eu sempre levava, por exemplo, tempero fresco e dava a elas para espremerem no dedo e sentirem o perfume”.
Ela, que dá aulas na Universidade Positivo, é orientadora de um trabalho sobre a gastronomia como ferramenta pedagógica. “Com a gastronomia, as crianças ficam mais criativas, aprendem a ter noção de tempo, quando esperam algo assar, até a história dos alimentos”. Por isso, a importância de contar com elas na preparação dos alimentos.
Serviço | As peças usadas nas fotos são das lojas: Spicy. Shopping Crystal, R. Comendador Araújo, 731 – (41) 3233-2248. Camicado. Shopping Mueller, Av. Cândido de Abreu, 127 – (41) 3307-1164. Acervo Bistrozinho.