Eventos Bom Gourmet
Falou-se de respeito no Identitá Milano
Três dias por ano, centenas de chefs e uma multidão de interessados dividem ideias, trocam informações e descobrem novas tendências. Representantes de mais de 20 países sobem aos palcos. Uma profusão de sabores e cheiros toma conta dos espaços reservados às degustações. Todos querem saber o que pensam e o que fazem os principais chefs do mundo. É assim, há nove anos, a cena do congresso internacional de gastronomia Identitá Golose, transformando Milão na capital italiana da gastronomia. “Respeito” foi o tema da última edição, que ocorreu de 10 a 12 de fevereiro. O debate proposto: transformar uma sociedade baseada no consumo desenfreado.
De acordo com o idealizador e coordenador do evento, Paolo Marchi, a proposição emerge da linha conceitual que começou a ser traçada em 2010 quando “O luxo da simplicidade” foi lançado para enfrentar a crise econômica que dava as caras. Nos anos seguintes, o debate continuou. Em 2012, “Além do mercado” tentava apontar direções alternativas à crise, que se mostrava mais duradoura do que o imaginado. Após o boom da gastronomia no mundo todo, é hora de refletir sobre a necessidade de se respeitar a natureza, as matérias-primas, chefs, restaurantes, clientes. “Não há tempo para truques e mentiras. Não é possível reproduzir padrões desgastados. É preciso respeito pela verdade e pela cultura de cada país, lembrar que devemos pensar globalmente”, disse Marchi.
No primeiro dia do evento, a nona edição do Identitá Golose apresentou a nova cozinha do mundo. Representantes da Itália, Espanha, França, Suécia, Singapura e Brasil subiram ao palco principal. Os irmãos Thiago e Felipe Castanho, do restaurante Remanso do Peixe, de Belém do Pará, foram os primeiros, puxando a fila de chefs. Uma honra. Eles emocionaram a plateia mostrando cenas de como cresceram, falaram sobre a história da família, as dificuldades, as diferenças entre os povos da Amazônia e os produtos da floresta usados na cozinha deles, contando como o restaurante surgiu. Um show.
“A mandioca é o nosso pão, usamos a banana como a batata e o açaí como farinha, que para nós é como o trigo para vocês”, disse o irmão mais velho, Thiago, aos italianos, enquanto, ousadamente, preparava um nhoque com a fruta. Palmas na plateia. Os dois também levaram imagens do famoso mercado Ver o Peso, que tem a maior concentração das iguarias amazonenses e lembraram a frase cunhada por Ferran Adrià, que já ficou famosa: “A Amazônia é a despensa do mundo”.
Dar um uso diferente para ingredientes tradicionais foi outra mensagem transmitida. Conceito incorporado também por Massimo Bottura, que está à frente do premiado Osteria Francescana, três estrelas Michelin, em Módena. Ocupando o quinto lugar na lista dos 50 melhores restaurantes do mundo da revista inglesa Restaurant, o chef ensinou que é preciso romper, transformar e recriar. Disse que a poesia deve ser praticada no cotidiano. “É preciso descobrir os nossos símbolos, a tradição de onde moramos e levar isso para a cozinha. Esgotar todas as possibilidades”, afirmou.
O mais aclamado chef italiano contemporâneo lembrou que são os sabores presentes na infância que se transformam nos melhores pratos. Aconselhou buscar a simplicidade e cozinhar com sentimento. Bottura parte de ingredientes da expressão da cozinha italiana para criar. “A crise não é só econômica, é de identidade”, afirmou. “Conversar é fundamental.Criar com respeito”, ensinou.
Nomes de peso estavam lá para alimentar uma plateia ávida por conhecimento. “Respeito é uma palavra que deve ser usada com mais frequência”, disse o chef Enrico Crippa, do Piazza Duomo, em Alba, três estrelas Michelin, que neste ano, foi o primeiro italiano designado presidente de honra do respeitado concurso Bocuse d’Or. O sueco Magnus Nilsson destrinchou a terceira etapa do seu inusitado menu servido no Fäviken, que destaca ingredientes locais e técnicas ancestrais. Infelizmente, poucos puderam provar. Ir até o seu restaurante, quase no Polo Norte, não é tão fácil, exige, no mínimo, muita disposição.