Produtos & Ingredientes
A maioria dos brasileiros desconhece nossos queijos por causa da legislação antiga
Formado em gastronomia pela Escola de Restauração e Hotelaria de Barcelona e mestre-queijeiro com curso oferecido pelo governo da Catalunha, Bruno Cabral Perigo trabalha com queijos há oito anos e desde 2010 estuda com afinco o queijo brasileiro. Tanto que sua “mercearia” chamada Mestre Queijeiro, em São Paulo, trabalha com uma variedade de 40 tipos de queijos nacionais. Outro atrativo é que ele possui uma câmara de maturação própria.
Ele acredita que o país ainda tem muito a conhecer e oferecer em termos de queijo. Porém, lembra que são 5 mil anos de história contra 400 anos de queijo no Brasil, “o que nos faz novatos”, diz. Bruno, que é o único Supreme-Judge brasileiro e sul americano no World Cheese Awards, maior concurso de queijos do mundo e colunista sobre queijos na revista Gula, também é o organizador do Prêmio Queijo Brasil, que teve sua primeira edição realizada no ano passado. Confira a entrevista que ele deu ao Bom Gourmet.
O que o terroir brasileiro pode oferecer em termos de sabor ao queijo?
Se o sabor do queijo dependesse apenas do terroir, o brasileiro passa ao queijo maior untuosidade em boca e gordura, pois o alimento que o gado brasileiro recebe é mais bruto que o alpino europeu, por exemplo. Nosso clima é mais cálido e exige mais rusticidade ao gado e tudo isso será transmitido ao leite e consequentemente ao queijo. Mas, também tem outro fator que é a mão de quem produz o queijo que pode amenizar essa rusticidade ou não, se for o interesse apresentar algo mais direto, o que é bastante interessante também. Poucos lugares no mundo tem uma diversidade de terroirs como o nosso e devemos aproveitar ao máximo isso com conhecimento e sabedoria comercial
Temos tanta diversidade de sabores/texturas como a queijaria francesa, por exemplo?
Ainda não e falta bastante. Mas também não acho que seja o caso de fazer comparações. São 5 mil anos de história contra 400 anos de queijo no Brasil. O queijo veio para cá com os colonizadores europeus. Devemos usar e abusar das técnicas que eles já criaram e adequar ao nosso terroir e é isso que estamos fazendo nos últimos anos.
Outro fator um pouco impeditivo de criar queijos mais cremosos é o fator logístico. No Brasil é vergonhoso o que nos é oferecido e por um preço proibitivo. Portanto, muitos produtores de queijo que optariam por queijo cremoso, quando estudam a logística e valores acabam por desistir e produzir um queijo mais curado para evitar perdas. Mas nem tudo é negativo. Temos uma leva importante de novos produtores, pessoas que desistiram da cidade e foram pra roça criar queijos novos com conhecimento e investimento e cada vez mais temos uma variedade maior a oferecer ao consumidor.
Dizem que os franceses poderiam comer queijos durante um ano que não repetiriam um dia sequer. E nós, poderíamos comer queijos sem repetir por um mês? 15 dias?
Em novembro de 2014 eu organizei junto ao Slow food o 1.° Prêmio Queijo Brasil, onde conseguimos reunir 136 amostras de queijos de todo Brasil. Claro que haviam variedades similares como os tradicionais Minas Canastra ou Salitre e Serrano do Rio Grande do Sul, mas tendo em conta apenas um produtor de queijo Serrano e os Minas, posso dizer com segurança que haviam pelo menos 90 a 100 tipos de queijos únicos e diferentes entre eles. Ou seja, no Brasil podemos passar pelo menos 3 meses consumindo cada dia um queijo diferente
A maioria ainda desconhece essa diversidade? Se sim, por quê? O problema da legislação ainda impede a logística desses queijos (uma das leis é a instrução normativa 57 do Ministério da Agricultura que regulamenta que a produção de queijos elaborados a partir de leite cru, com período de maturação inferior a 60 (sessenta) dias, fica restrita a queijaria situada em região de indicação geográfica certificada ou tradicionalmente reconhecida, o que restringiria a produção apenas as regiões de Canastra, Serro, Araxá e Salitre).
A maioria dos brasileiros desconhece a diversidade de queijos brasileiros devido a uma legislação antiga e que prejudica o produtor e o consumidor impedindo que a diversidade nacional chegue a mesa de todos em todas as regiões do país. A logística também é um problema, mas dá-se um jeito. Porém a legislação pode ser um fator proibitivo pois pode fechar negócios e ninguém quer investir num local e se expor a fiscalizações sanitárias que poderiam fechar as portas por ter produtos sem certificação sanitária. O brasileiro é louco por queijo e consome relativamente bastante. Mas, para melhorar temos que ter uma nova legislação (coerente) para a produção de queijo e que tenha uma clara definição do que é queijo artesanal e o que é queijo industrial para orientar o consumidor e diferenciar as exigências de produção entre um e outro tipo de queijo.
O que você acha da qualidade dos queijos “tipo” (tipo gruyere, tipo grana padano) que são feitos por empresas nacionais?
Independentemente do que eu acho sobre o sabor destes queijos, os queijos tipo não existem. Nós não podemos usar nomes como Gruyere, Grana Padano, Manchego, Roquefort, Gorgonzola, Brie, Camembert, pois são propriedades de outras comunidades e se usarmos esses nomes estamos nos apropriando de algo que não é nosso e desprestigiando o produto original de outro lugar. Não é por simplesmente colocar o “tipo” antes do nome que vamos nos diferenciar deles. É preciso criar nomenclaturas novas para esses queijos, ser originais e respeitar a propriedade cultural de outros lugares. Eu não ia gostar nada de ver, por exemplo, a Argentina ou qualquer outro país, produzir um queijo e chamar de “tipo” minas. É propriedade nossa.