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Os banquetes do Imperador Dom Pedro II
Imagine um rei, uma rainha e a nobreza em trajes majestosos prontos para jantares nababescos com serviços luxuosos e iguarias sem fim. No livro Os Banquetes do Imperador – Receitas e historiografia da gastronomia no Brasil do século XIX, os chefs Francisco Lellis e André Boccato resgataram os cardápios da época imperial, os rituais e os hábitos culinários de Dom Pedro II e das pessoas próximas a ele.
Isto foi possível graças à paixão do último imperador do Brasil de colecionar cardápios: são mais de mil menus que ele guardou ao longo da vida e que, depois de sua morte, passaram a integrar a coleção Thereza Christina Maria da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Os autores do livro selecionaram 130 peças, devido à beleza gráfica, à importância gastronômica dos pratos ou pelo registro de viagens.
Embora a maioria deles seja em francês, a língua culta da época, nesse período surgiram os primeiros cardápios em português: a começar pelos Paquebots, menus servidos à bordo de navios que levavam a família real em suas viagens.Dom Pedro II guardou também os cardápios de recepções oficiais, restaurantes, hotéis e cafés das cidades europeias por onde passou. Outros menus testemunham o nascimento da cultura gastronômica brasileira. No cardápio de 22 de agosto de 1886, por exemplo, aparece pela primeira vez o Churrasco do Rio Grande. Outros pratos, de derivação francesa, como o Peru à Brasileira, a Feijuade e a Galantine de jacu começaram nesse mesmo período a se tornarem refeições comuns na corte brasileira.
Origem do “cardápio” Em 23 de março de 1889, o jornal carioca Gazeta de Notícias relata a necessidade de criar um neologismo português para substituir a palavra menu. Nasce assim o termo cardápio, do latim “charta” (papel) e “daps, dapis” (comida, iguaria, manja).
A chef Kika Marder, do premiado restaurante Sel et Sucre, reinterpretou três pratos da época do Império a partir de algumas das primeiras receitas legitimamente brasileiras: o pudim de tapioca, o tutu de feijão à mineira e as coxinhas de galinhas. “O fato interessante é que essas receitas que, na época, eram consumidas pela realeza, hoje se tornaram supercomuns nas casas dos brasileiros”, destaca a chef. As aves eram a verdadeira paixão da família real. Dom Pedro II adorava a canja de galinha. A predileção era tamanha que o imperador costumava saborear uma sopa quente entre o segundo e o terceiro ato dos espetáculos teatrais que assistia. Não conhecemos os hábitos alimentares de seu pai, Dom Pedro I, mas seu avô, Dom João VI, tinha um costume ainda mais peculiar: gostava tanto de asinhas de frango fritas que as estocava no bolso do casaco.
Nos cardápios da nobreza brasileira, a influência europeia é muito evidente: a intenção dos chefs de corte era recriar no Brasil o que já era sucesso na Europa, em particular na França. Em paralelo, porém, surgiram também as primeiras tentativas de abrasileirar os pratos utilizando ingredientes locais como vatapá, farofa e tapioca. Essa última era muito apreciada e consumida em sopas pela aristocracia europeia. Na mesma época, o governo brasileiro tentou impulsionar o consumo de outros produtos brasileiros no exterior: aroma e sabor do café e do mate eram divulgados com verdadeiras ações de marketing em Paris e em outras cidades do Velho Continente.