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Mistura: a festa do povo peruano
“Difícil definir”, ouvia isso, mas também adjetivos de sobra. “Você ainda não foi?”, perguntavam os interlocutores surpresos. Claro, impossível acreditar que uma pessoa que escreve sobre gastronomia e que gosta de comer bem nunca tinha pisado num dos mais importantes eventos do setor. Então, fui buscar a redenção e levei um susto. Vergonhosamente, desdenhamos um pouco nossos vizinhos, olhamos desconfiados, mas, acredite, eles são profissionais. Isso sem falar na comida.
Pois a feira Mistura deixa mesmo boquiaberto o mais preparado dos visitantes. Primeiro porque não se sabe que roteiro seguir: se conhecer alguns dos muitos produtos trazidos pelos mais de 400 agricultores; se afundar em chocolates ou pisco, a famosa aguardente local; ou, ainda, se perder no mundo das brasas, com seus assados apetitosos. Enfim, a lista de atrações é mesmo infindável.
Os números também surpreendem: dividida em 12 “mundos” (norteño; andino; sureño; del ceviche; de las brasas; de los líquidos; oriental; amazónico, limeño; anticucho; de las tabernas y bares; de los sanguches), a feira recebeu cerca de meio milhão de pessoas, de todas as classes sociais e nacionalidades, um crescimento de 7% em relação ao ano anterior. Foram 387 mil ingressos vendidos, além de convidados, imprensa e envolvidos na organização do evento, cujo tema foi “A água e os recursos hidrobiológicos”.
A estrutura envolvia ainda o grande auditório, que abrigava a demonstração das cozinhas regionais, concursos, premiações, aulas magnas e foros; os espaços “grande aquário”; o impressionante “o grande mercado” e a “rota de gigantes”.
De acordo com os dados da Sociedade Peruana de Gastronomia, a Apega, promotora da feira, há quatro anos, 9% dos peruanos gostava de sair para comer fora; hoje, em 2013, esse número chega a 36%. A atividade gastronômica quadruplicou, o que é facilmente constatado com a valorização de produtos emblemáticos e com a abertura de restaurantes. No balanço final do Mistura, os números, resumidos, eram contabilizados assim: 10 mil pratos disso, 20 mil porções de outra iguaria, 13 mil sanduíches numa soma sem fim. Longas filas de mais de uma hora para provar um leitão à pururuca, ou visitar o aquário, tudo com muita organização e dose de paciência do povo. Impressionante mesmo. A edição de 2013 aconteceu de 6 a 13 de setembro, com inúmeras tentações, com tempero de apresentações artísticas de brinde. Um espetáculo único.
Paixão peruana
A gastronomia está na alma do povo peruano, é orgulho, é assunto no boteco da esquina e no táxi, assim como o futebol é para os brasileiros. Todo mundo entende um pouco. Isso também ajuda a compreender o que é a feira Mistura, que acontece há seis anos no país. Se ainda não foi ao território gastronômico vizinho, não pense que pode conhecê-lo em um fim de semana prolongado, reserve no mínimo oito dias, tempo para os sabores ficarem impregnados, alimentando o desejo de voltar rapidinho para outra estada de descobertas e de fartas e incríveis mesas.
Impossível não citar o nome de Gastón Acurio, à frente da revolução econômica e social derivada da “cocina novoandina”, que idealizou a feira e está tornando o ceviche – prato popular do Peru, com peixe marinado – a nova pizza, ou sushi, como fez o Japão. Pelo menos, é a sua intenção. Hoje, porém, existe uma turma de chefs talentosos que estão abrindo outras casas e ganhando estrela Michelin, inclusive, como o jovem Virgilio Martínez, do restaurante Central, um lugar imperdível, de gastronomia regional, preparada com carinho, inovação e qualidade.
Os peruanos aprenderam a valorizar os seus pequenos agricultores e cozinheiros, reverenciando a biodiversidade do país, “uma das mais ricas do mundo”, dizem em coro, além de difundir a cultura peruana pelo mundo. Uma boa estratégia.