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Conheça o aplicativo que organiza jantares e ajuda as pessoas a “fazerem social”
Em meio ao frango assado com legumes, os convidados do nosso jantar desfiavam os tópicos inevitáveis: a preocupação com a ascensão da extrema-direita na Alemanha, o que realmente é preciso para fazer um casamento dar certo, onde degustar a melhor comida vietnamita em Nova York; mesmo assim, o desconforto era palpável.
Usando o site Feastly que, semelhante a um Airbnb para gourmets, reúne comensais e chefs, há pouco tempo Andrew, meu marido, e eu pagamos US$32/cabeça para jantar com seis estranhos. Dois deles – a chef da noite e seu amigo – estavam sentados no sofá exatamente atrás de nós, o que me forçava a torcer o pescoço o tempo todo para incluí-los na conversa.
À mesa estavam um programador de computadores e uma dupla pai-filha – gente boa, mas uma combinação aleatória de personalidades que sugeria mais uma amostra de passageiros do mesmo voo do que a convocação magistral que lembrasse os famosos anfitriões de outrora.
O jantar para convidados, que sempre foi um dos princípios organizadores essenciais da vida social urbana, de uns anos para cá vem perdendo espaço, principalmente devido ao desabrochar da cultura do restaurante, o que tornou o padrão de excelência culinária ridiculamente alto. Em uma ocasião, praticamente toda a comida que servi permaneceu intocada e um dos convidados reclamou da iluminação; em outra, o pessoal começou a ir embora antes da sobremesa.
Ambas foram há mais de dois anos. Traumatizada, desde então nunca mais convidei ninguém para comer em casa. Só que Andrew e eu tínhamos caído em um limbo social. Viver em um casulo só nosso era confortável, mas todas as pesquisas dizem que os contatos com as outras pessoas é o que nos faz feliz. Aí comecei a pensar se deveria dar outra chance aos meus jantares. Será que haveria um aplicativo para me ajudar?
Claro que sim.
Como descobri, é possível repartir o pão com um grupo diferente a cada dia da semana, graças às reuniões organizadas por telefone e computadores, na busca incessante pela “tribo urbana” (pego emprestada a expressão do escritor Ethan Watters).
Nick Ozkan, 45 anos, trabalha com comunicação digital e diz que fez sete amigos íntimos participando regularmente dos eventos da 10 Chairs NYC, uma organização social dirigida pela chef Patricia Williams. “As idades dos participantes variam entre 30 e poucos a 70 e muitos”, esclarece ele. Já ela afirma que alguns estranhos que se conheceram em seus jantares arranjados, cada um a US$80/pessoa, chegaram até a viajar juntos.
Talvez, no fim das contas, as novas amizades estejam ao alcance de qualquer um.
Rede social original
Por telefone de San Francisco, onde fica a sede da Feastly, o fundador da empresa, Noah Karesh, 34 anos, diz que vê a mesa de jantar como “a rede social original”. E muitos devem concordar, já que sua companhia conquistou milhares de usuários em mais de 60 cidades ao redor do mundo.
“É cada vez maior a consciência de que os membros da Geração Y vivem uma desvinculação; a esmagadora maioria só interage pelo iPhone. A pessoa tem dez mil seguidores nas redes sociais, mas come um sanduíche em casa, sozinha. É preciso resgatar as interações off-line”, explica Karesh.
Porém, da mesma forma que nos encontros às cegas, o melhor é chegar à reunião com poucas expectativas. Depois do jantar da Feastly, eu me senti derrotada porque os outros convidados não pareceram se dar muito bem. Já Andrew achou que a noite foi um sucesso indiscutível. E disse que o objetivo não era gerar amizades para o resto da vida.
“É a oportunidade de se ter uma dose de interação social variada”, explicou, animado.
Esse “mergulho” em uma nova piscina social pode ficar mais fácil se houver um interesse comum, mesmo que seja um experimento em uma culinária diferente, como o jantar dos Bálcãs organizado pelo EatWith, um serviço de jantares comunais. Lá eu e Andrew conhecemos uma jovem francesa que estudava culturas gastronômicas na Universidade de Nova York e um técnico em computação muito simpático que estava com a irmã, recém-chegada da Índia para uma visita. A chef nos contou sobre sua infância na antiga Iugoslávia e a origem de todos os pratos que ia servir. E a verdade é que é difícil se entendiar comendo sirnica caseira (pastelzinho macio recheado de queijo).
Com tantos atrativos, acabei entrando na onda de jantar com estranhos. E gosto muito, principalmente pela leveza e espontaneidade dos tópicos que não são possíveis quando há um histórico entre os convidados, seja bom ou ruim.
Além disso, há uma certa monotonia nas reuniões de casais jovens, onde todo mundo está de parzinho, parecendo os animais da Arca de Noé. Prefiro o número ímpar – cinco – do jantar da EatWith, que me libertou da obrigação de ter que conversar com as outras esposas e dos limites inevitáveis que a situação impõe. (Casada e com 34 anos, as outras mulheres sempre me perguntam quando vou ter filhos, questão que nunca tenho que responder conversando com os homens.) Voltando para casa após o tal jantar, que custou US$ 63/pessoa, senti uma onda de euforia tomando conta de mim: livre dos programas só entre casais!
Na manhã seguinte, porém, o meu entusiasmo por essa nova opção social já tinha diminuído. Recebi um e-mail da EatWith que perguntava: “Com quem você jantaria de novo?”. O sistema de avaliação que virou norma nos serviços de transporte, tipo Uber, agora se estendia ao lazer.
Susan Kim, CEO da EatWith, que já está em mais de 200 cidades ao redor do mundo, diz: “O site queria uma maneira inofensiva de saber se as pessoas gostariam de se encontrar de novo. De qualquer forma, o serviço está ajudando muita gente e preencher o vazio da vida social.”
“Tem muita gente recém-divorciada usando porque o ex acabou levando embora todos os amigos.”
Entendi por que o EatWith queria o feedback dos convidados. Para falar a verdade, até fiquei feliz de saber que alguém achou que “impressionei”, mas, mesmo assim, não sei se quero sair para me divertir e ter que avaliar a ocasião depois.
Para mudar um pouco, decidi que a minha próxima tentativa seria diferente – e optei por ser paga para receber convidados na minha casa, tendo com isso a oportunidade de exercer um mínimo de controle social (além da responsabilidade de limpar tudo depois).
A OneTable é uma organização que encoraja os “millennials” de todas as classes e religiões a oferecer jantares às sextas-feiras. A instituição sem fins lucrativos já realizou mais de três mil nas cidades onde está presente – Nova York, Chicago, San Francisco e Denver – desde 2015. Oferece o que chama de “crédito nutricional” de US$15/cabeça para até dez pessoas, que pode ser usado em estabelecimentos como Whole Foods, FreshDirect, Instacart, Etsy ou Seamless.
Enviei o anúncio do meu jantar e, quando se encerrou o prazo para inscrição, nenhum estranho tinha se manifestado. Para garantir que Andrew e eu não comeríamos sozinhos, convidei dois amigos – um casal, Reid e Danielle – que, por sua vez, convidaram dois amigos, Aaron e Tamar, que nós não conhecíamos e não se conheciam entre si. Em outras palavras, um jantar tradicional.
Aí eles chegaram – e ninguém perguntou por que eu não tinha feito salmão como o prometido, ninguém foi embora cedo, ninguém criticou minhas luminárias.
Ao contrário, acendemos muitas velas. E falamos de trabalho, do mundo, de nossas conquistas pessoais e profissionais. E quase não acreditei em como estava sendo divertido.
Aí me lembrei do motivo por que os membros de todas as civilizações formam laços fora do círculo familiar e apreciam a companhia uns dos outros. Quando um grupo de pessoas se dá bem, com a quantidade certa de vinho, algo acontece. E você sente que poderia ficar horas à mesa, sem a mínima vontade de espiar o iPhone. Parece simples, mas a impressão é de que é mesmo um milagre.
Agora só tenho que reunir coragem para convidá-los a repetir a dose.