Produtos & Ingredientes
Política também se faz pelo o estômago
Além das urnas e da rua, política também se faz pelo estômago. É nessa toada que a chef italiana Lisa Casali escreveu o livro “Cozinhando sem desperdício: Receitas sustentáveis para o gourmet consciente”, lançado em junho no Brasil pela editora Alaúde. Com um discurso ecológico bem delineado – a ênfase é na diminuição de consumo, de gastos e de produção de lixo -, a autora propõe petiscos, sobremesas e pratos principais feitos a partir de talos, cascas, miolos e folhas – são 130 receitas, a maioria delas com fotos.
Lisa pesquisa empiricamente a culinária sustentável há oito anos, numa tentativa de se livrar das embalagens, do marketing excessivo e do lixo orgânico gerado pela temível frase dos modos de preparo: “descarte”. Em seu blog Ecocucina, ela se pergunta “Será que todos esses pedacinhos e sobras que os livros de receita nos dizem para jogar fora realmente não são comestíveis, ou apenas são mais difíceis de preparar?”. As experiências fizeram-na chegar a uma lista de 29 ingredientes, como frutas, verduras, legumes, casca de queijos, sobras de pães, massas, arroz e até de sobremesas, como biscoitos e panetones. Para os vegetais, o capítulo traz informações do valor nutricional, a percentagem de partes que iriam para o lixo e de que maneira prepará-las. A indicação da autora é que se compre ingredientes orgânicos, uma vez que não levam herbicidas nem pesticidas em seu cultivo e as cascas e folhas (que concentram a maior parte dessas substâncias) podem ser usadas integralmente.
É impossível não pensar na influência do movimento slow food, criado em 1986 na Itália, na formação de Lisa. A ideia de minimizar os impactos da alimentação no meio ambiente (leia-se: produzir menos lixo e usar menos herbicidas) é um dos pilares do movimento, além de valorizar a biodiversidade e os produtos disponíveis sazonalmente na região. Essa noção de consumo consciente tem sido repetida aos montes nos últimos anos, feito eco de um discurso sem atualização. O ponto positivo do livro é que as respostas que Lisa oferece ao leitor são satisfatórias.
São receitas fáceis, algumas quase óbvias (um exemplo é o bolo de raspas de laranja) e outras muito criativas. As farinhas de cascas de legumes e de cebola, ao final do livro, são ideias práticas para quem tem um desidratador em casa e uma solução para dar sabor a pratos. Em algumas receitas, a autora peca pela falta de precisão, como quando diz para adicionar “um pouco de água” – coisa que um cozinheiro com experiência tira de letra, mas um iniciante pode se embananar.
A impressão que se tem no início do livro – começa com dois artigos sobre sustentabilidade, dicas de conservação e armazenamento de alimentos e práticas sustentáveis para reduzir o consumo de água, energia e gás ao cozinhar – é que a mudança de comportamento a ser feita é radical. Faz parte do discurso de Lisa amenizar essa impressão mostrando o caminho menos extremista e mais prático, que é o de perceber que as partes consideradas “menos nobres” dos alimentos são ideais para consumo, e que pequenas atitudes influenciam significativamente na conta de água e luz. Lisa calcula uma economia de até 25% para uma família com dieta rica em vegetais e pouca carne e peixes.
Vindo de uma europeia que estuda como economizar na cozinha muito antes da crise financeira que atingiu o continente em 2008, um pappardele de casca de abobora, uma tortinha de bagaço de cenoura com pão amanhecido ou sorbet de talo de salsão não parecem soluções à escassez de alimentos, e sim um alerta: não é preciso passar aperto para repensar seus hábitos.