Bebidas
Seleção de vinhos brancos doces
Os vinhos brancos doces, quando bem feitos, irradiam intensidade com suavidade, doçura com frescor e vida, limpidez e interesse. Feito carinho de mãe, no mês em que as cultuamos com ainda maior atenção.
Tenho tido a felicidade de beber os mais estupendos brancos doces, muitas vezes ditos de sobremesa. Lembro os mais refinados Sauternes, Tokaji, Rieslings alemães de colheita tardia, notadamente os beerenauselese e trockenbeerenauselese. Perfeitos, indescritíveis, sublimes. Vou continuar falando aqui até gastar o papel: nada de preconceito contra brancos doces. O que não é bom é o vinho doce mal feito; assim como os secos idem.
Vou contar uma das minhas maiores experiências com um vinho desse tipo. Não é um Yquem do começo do século. É um Grandjó, o famoso vinho português branco adocicado produzido pela Real Companhia Velha, na região de Alijó, Douro (terras altas). Na infância lembro dele escoltando o bacalhau na Páscoa, afamadíssimo, de boa qualidade. Depois perdeu-se um pouco, mas de uns 10 anos para cá a empresa vem recuperando a categoria antiga. O Grandjó de que vou falar é o de 1925.
Uma jóia. Célebre e raríssimo. Uma das poucas garrafas míticas que ainda não provara e vivia louco por encontrar. Aconteceu na cidade do Porto, um pouco antes da Páscoa, em casa de Dirk Niepoort. No jantar estava o Matt Kramer, da Wine Spectator, e outros ilustres e bem dispostos convivas. O Dirk me dá um copo com um vinho dourado brilhante e diz: “Vê se gostas”. Ao cheirar quase caí no chão, tão intensos e refinados eram os aromas. Faleilhe: “Incrível, mas não é Sauternes e nem alemão”. Respondeu: “Pois”. Completei: “Não me diga que é o …” e ele cortou: “isso mesmo!”. Não precisava nem mencionar o nome: Grandjó 1925.
O vinho cantava. Vivo, com vigor de um vinho novo. Intenso, profundo e amplo, delicado, multifacetado, vagas e vagas sedosas e macias, acariciantes de fruta decadente a damascos, pêssegos, figos. Um toque discreto de pistache e trufas brancas, um fundinho delicioso a creme inglês do mais fino e um toque de zest de tangerina. Especiarias, flores suaves, indescritível. Melhor do que os melhores Yquem? Diferente e tão grandioso quanto. Menos botrytis, menos peso, mais delicadeza. Um dos grandes vinhos de minha vida. Um branco doce, com 88 anos de vida.
Prova às cegas
Bom, temos de baixar à terra, onde nem por isso deixa de haver grandes frutos ao alcance das mãos. Pensando no tema, fizemos uma prova com vinhos brancos doces disponíveis no mercado. Foram 8 amostras, das quais apresentamos as 5 melhores. São equilibrados, estimulantes, com bom vigor, doces, mas nada de açucaradões. Devem ser bebidos refrescados, na casa dos 8 graus C, copos de vinho branco. Acompanham bem o começo e o fim das refeições e crustáceos, carne de porco assada, foie gras, patês, frutas, frutas secas, sobremesas e bolos não muito pesados.
A prova foi às cegas, vinhos servidos nos copos de degustação numerados, sem que o degustador soubesse qual o rótulo. Transcorreu no Bistrô do Victor, com o serviço perfeito da sommelière Michele Nascimento. Após a prova a célebre chef Eva dos Santos serviu seus inspirados pratos com frutos do mar.
***
Guilherme Rodrigues é advogado, enófilo, membro de importantes confrarias internacionais. Dedica-se ao estudo e à degustação de vinhos há 25 anos.