Produtos & Ingredientes
Sim, nós temos chocolate bom
A boa notícia para os chocólatras é que o Brasil virou uma fábrica de chocolate. Em Bahia, Pará, Espírito Santo e Rondônia, regiões tradicionalmente cacaueiras, se produzem atualmente chocolates finos que chamam a atenção de degustadores e especialistas do mundo inteiro. “Quem, hoje em dia, fala que o melhor chocolate do mundo é francês ou belga, tem uma visão pré-histórica”, afirma a francesa Chloé Doutre-Roussel, autora do livro The Chocolate Connoisseur e uma das maiores autoridades do mundo no assunto.
O presente e o futuro do setor foram discutidos no 7.º Festival Internacional de Chocolate e Cacau, em Ilhéus (BA). O evento que contou com palestras, aulas-show e debates, reuniu produtores e especialistas. Atualmente o sul da Bahia é a principal região produtora do país. Ali o cacau é cultivado no chamado “sistema cabruca”, isto é, os cacauais são plantados no sub-bosque da Mata Atlântica, na sombra de árvores como seringueiras e açaizeiros. Essa técnica de cultivo, além de preservar a natureza, é fundamental para caracterizar o terroir.
“Nosso primeiro objetivo é construir uma boa amêndoa, depois o reconhecimento do nosso terroir virá”, garante Marco Lessa, produtor de cacau e organizador do festival. Segundo os cultivadores, o cacau baiano tem algumas peculiaridades como aroma intenso, notas de frutas secas, toque cítrico, e dependendo da variedade também notas de tabaco, madeira, abacaxi passa e maracujá.
Tudo isso, claro, proporciona sabores ao chocolate. As características de solo e clima, no entanto, não são os únicos fatores para se obter um bom produto. O processo de pós-colheita que inclui secagem, torra e moagem é igualmente importante. E os produtores brasileiros estão sendo cada vez melhores nisso, investindo em maquinários importados e capacitando a mão-de-obra. “Até 2005, a Europa desprezava o cacau brasileiro, enquanto hoje o Brasil vive um Renascentismo graças aos produtores que estão fazendo um trabalho maravilhoso”, destaca Chloé Doutre-Roussel.
A segunda boa notícia é que a oferta de chocolates de qualidade aumentou, mas ainda falta regulamentar definições como premium, gourmet, fino ou de origem, que hoje são muito vagas. Segundo Lucas Corazza, chef pâtissier e jurado do programa “Que seja doce”, o chocolate brasileiro tomou o caminho de outros produtos nacionais, como o queijo da Serra da Canastra, as cachaças artesanais e as variedades de arroz, que alcançaram níveis elevados de qualidade e são cada vez mais valorizados por cozinheiros e público. “Aquele chocolate leitoso, que comemos desde criança e que derrete na embalagem quando você segura na sua mão, pode ter certeza de que não é bom. Estamos aprimorando o paladar do brasileiro, mas precisamos que os chefs se transformem em multiplicadores”, frisa o chef.
Sabores amargos e complexos são características cada vez mais procuradas e apreciadas pelos consumidores brasileiros. Assim como o alto teor de cacau. A Mendoá, fábrica localizada em Uruçuca (BA), apresentou na feira o Nigro, barra com 99% de cacau. E a Amma, empresa premiada de Salvador, produz um chocolate orgânico cacau 100%. São barras que fazem “nhac” a cada mordida, sinônimo de elevada qualidade segundo os especialistas.
O crescimento da qualidade corre o risco, porém, de esbarrar numa limitação genética do cacau brasileiro. As variedades mais comuns por aqui são forastero e trinitário, consideradas por muitos degustadores e especialistas inferiores à tipologia criollo, cultivada em outras regiões do centro-américa.
“O cacau da Bahia é muito bem trabalhado, tem uma boa fermentação e uma torra suave. O resultado é um chocolate agradável, porém, simples e que não atinge níveis de complexidade e toques florais ou frutados, por exemplo, do chocolate venezuelano produzido do cacau criollo”, alerta Chloé Doutre-Roussel. Segundo ela, há muito trabalho pela frente e a qualidade deve subir mais ainda nos próximos anos. “Talvez o chocolate brasileiro nunca vá ser top no mundo, mas os produtores estão no caminho certo para fazer um excelente produto, muito superior à atual”, garante. A fábrica de chocolate está a pleno vapor.
***
Leia também