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Valorizar os ingredientes regionais e resgatar as receitas tradicionais. Tudo com um toque de modernidade e originalidade. A tendência que rege a gastronomia em todo o mundo estende-se também à parte final das refeições: a sobremesa. Os doces, aliás, há tempo ganharam espaço em outras horas do dia. Afinal, é cada vez mais difícil resistir às convidativas delícias que se exibem nos cafés e confeitarias.

A banana, a goiabada, o coco e outros produtos com a cara do Brasil ganham novas receitas que vão muito além das tradicionais (mas nem por isso menos tentadoras) compotas e geléias. Ingredientes que conquistam lugar principal em doces que já eram famosos em outras partes do mundo antes de satisfazer o paladar do brasileiro. “Apresentamos receitas conhecidas de uma maneira mais contemporânea e com combinações instigantes e menos óbvias, como o manjericão e a goiaba”, diz a chef do Oli Gastronomia, Geraldine Miraglia.

Mais que criar novas misturas de sabores com uma marca local, confeiteiros e pâtissiers produzem pequenas obras de arte em doçuras que ativam os cinco sentidos. “O objetivo é chegar naquele doce que você vê e quer experimentar. E, depois que o coloca na boca, consegue viajar e descobrir os sabores que estão ali”, conta a chef pâtissier da Provence Boulangerie, Denise Carvalho.

Mas, chegar à combinação ideal não é só unir ingredientes. Ao contrário dos pratos salgados, em que o improviso pode resultar em novidades deliciosas, os doces exigem precisão nas medidas. “Eu acho que o doce é uma ciência”, resume a chef do La Table, Daniela Caldeira. Isso porque, como na ciência, a produção de gostosuras exige método. “Você tem de seguir uma receita como base, para acertar as medidas, o ponto de cada ingrediente. Não há tanta liberdade para criação, mas é possível fazer repaginações sobre o mesmo tema”, diz Daniela.

Além de tudo, não se pode esquecer que, como afirmou o sociólogo Gilberto Freyre em seu livro Açúcar, publicado em 1939, as preferências de paladar estão “condicionadas nas suas expressões específicas, pelas sociedades a que pertencemos”. O que explica, entre outras coisas, que a intensidade da doçura de cada quitute varia, de fato, de sociedade para sociedade.

O doce mais doce

O brasileiro, por exemplo, aprecia doces com mais açúcar, ou mais melados, que os europeus. Freyre atribui esse gosto, em parte, à localização geográfica do país. “Das pessoas que moram em terras quentes ou tropicais, várias se apresentam com predisposições semelhantes à brasileira: árabes e mouros são famosos pelo seu gosto pelos alimentos ou regalos doces”, escreveu.

Outra justificativa é a herança da doceria de Portugal (influenciada pelos árabes), que beneficiando-se da farta produção açucareira de suas colônias, desenvolveu uma culinária com base no uso do açúcar e do ovo.

Boa parte dos doces lusitanos surgiu nos conventos, onde as freiras engomavam as roupas com as claras de ovos e as gemas que restavam serviam para confeitar. De Portugal surgiram iguarias, como os pastéis de Belém e de Santa Clara, os fios de ovos e o quindim. Essa iguaria, que além do açúcar e dos ovos recebe manteiga e coco ralado, ficou muito popular no Brasil, a ponto de tornar-se típica das terras “descobertas” por Cabral. “Combina muito conosco, pelo uso de um fruto (coco) daqui e do açúcar, produzido em nossos engenhos”, destaca a chef pâtissier e professora do curso de Chef de Cuisine e Restaranteur do Centro Europeu, Karin Wickbold Giovanetti.

Criações genuinamente verde-amarelas também carregaram no açúcar em demasia. Pão-de-ló branco e preto, chantilly, creme, fios de ovos, baba-de-moça, nozes e pêssegos em calda foram reunidos em um mesmo bolo, o Marta Rocha, criado em homenagem à Miss Brasil de 1954. “O bolo é uma doçura que foi rainha das confeitarias e que nunca perde a majestade”, compara o designer de doces da Confeitaria Lancaster, Deiverson de Lara.

O excesso de açúcar de sua receita é análogo ao que eternizou a jovem baiana: ela perdeu o título de Miss Universo por medir duas generosas polegadas a mais no quadril. Outro “excesso” tipicamente brasileiro é o brigadeiro, astro das festinhas infantis e que traduz o sucesso que o leite condensado faz no país.

Simplesmente adoráveis

Mas talvez os doces mais característicos do território nacional sejam as compotas e geléias. Quem resiste ao brilho de um doce de abóbora ou de coco? A administradora do Aquarius Gastronomia, Marion Hofstaetter, revela que os confeiteiros às vezes reclamam que os quitutes brasileiros são “pobres”. “Não em sabor, mas na forma de produção, que é muito simples”, explica.

Tal simplicidade não impede que as pessoas continuem apaixonadas por essas gostosuras. Karin afirma que o poder de sedução de qualquer doce está na sua apresentação, para ser primeiramente degustado com o olhar. “Uma compota ganha destaque quando servida em uma taça de vidro, enfeitada com uma folha de hortelã ou um ramo de canela”, sugere.

E se apresentação é essencial, a confeitaria nacional aprendeu muito com outras cozinhas. Em especial com a francesa, de onde vieram os irresistíveis cremes – pâtissière, brùlée, chantilly – que são a base de muitas delícias de sucesso em todo o mundo, como os mousses e os pavês, as bavaroises e as madeleines.

Da Inglaterra, a combinação de biscoitos, cremes e frutas resultou nas charlottes, que também ganharam um toque de requinte em terras francesas. “Lá são muito usados o creme de leite e a manteiga. Toda a Europa valoriza os doces mais suaves, os chocolates meio-amargos. É uma outra cultura”, diz a pâtissier Karin.

Massas de diferentes texturas e as tentadoras folheadas tornaram-se tradicionais em toda a Europa. Aos folheados espanhóis, o brasileiro adicionou o doce de leite e adaptou a seu gosto o madrilenho.

Os imigrantes europeus que escolheram o Brasil como novo lar trouxeram seus costumes e novas delícias na bagagem. Da Áustria, mas com longa parada na Alemanha, veio o strudel, com sua forma de rocambole, em uma massa fina e delicada recheada com frutas, como a maçã. Os germânicos também troxeram as famosas cucas de maçã ou amora, que ganharam novas versões com frutas nacionais, como a banana, mas mantendo a crocante farofa na cobertura.

“Estamos no meio do caminho entre as receitas mais rústicas e o requinte da confeitaria. Para o brasileiro, em especial no sul do país, qualquer doce tem de ter um belo aspecto, mas ainda tem de ter mais sabor, o açúcar é indispensável”, pondera Denise Carvalho.

Novos conquistadores

Com a modéstia no nome, o petit gâteau (o pequeno bolo ou bolinho, literalmente) chegou ao Brasil há pouco mais de dez anos, trazido da França, e fascinou os brasileiros com sua crosta crocante e seu recheio cremoso. Originalmente feito no sabor chocolate, já tem descendentes nascidos nas paragens de cá, mestiços de ingredientes nacionais, como o café e a goiaba.

Quitutes vindos dos Estados Unidos também têm causado furor no sul do continente americano. Afinal, como resistir ao charme do brownie, uma combinação de chocolate e nozes picadas, mais denso que um bolo comum. Servido em pedaços, tem seu sabor valorizado quando servido com calda quente de chocolate e sorvete.

Também das terras de Tio Sam veio o cheesecake, que, ao contrário do que o nome sugere (bolo de queijo), trata-se de uma torta. A iguaria já era conhecida dos gregos, fixou-se na Inglaterra, mas foi nos Estados Unidos que ficou popular e ganhou o mundo. A massa é, em geral, feita com biscoitos esfarelados e recebe o recheio cremoso, com base de queijo. Para completar, é coberto por uma calda de frutas.

Mesmo com tanta novidade, um dos doces mais pedidos nas confeitarias de Curitiba é a bomba de chocolate, feita com massa folhada pastosa cozida, recheada com creme. Esconder a receita a sete chaves é a estratégia de confeiteiros para manter a clientela, assim como as famílias tradicionais costumavam fazer.

“Só eu e meu gerente de produção sabemos como fazer a massa e o recheio. É o que faz com que minhas bombas de chocolate sejam tão especiais”, diz o confeiteiro e proprietário da A Familiar Confeitaria, Manuel Rodriguez Limerez.

Já o proprietário da Valbella Confeitaria, Hebert Wickbold Filho, confeiteiro há 55 anos, aposta em outro recurso da produção familiar dos doces: o gosto pelo o que se faz. “Hoje não adianta mais esconder a receita. Está tudo na internet. O diferencial é o confeiteiro que faz. Tem de fazer tudo com dedicação, com o coração”, diz.

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Serviço

A Familiar Confeitaria: Rua Rocha Pombo, 377, Juvevê – (41) 3353-6161.

Aquarius Gastronomia: Rua Erasto Gaetner, 363, Juvevê – (41) 3018-6880.

Confeitaria Lancaster: Praça Zacarias, 68, Centro – (41) 3322-2500.

La Table: (41) 3274-0875 ou (41) 8405-1278.

Oli Gastronomia: Rua Senador Saraiva, 209, São Francisco – (41) 3016-8696.

Provence Boulangerie: Rua Bruno Filgueira, 548D, Batel – (41) 3343-991.

Valbella Confeitaria: Rua Augusto Stresser, 561, Juvevê – (41) 3254-8820.

As louças das fotos são da Beatriz Séra Presentes: Avenida do Batel, 1.713 – (41) 3013-7252.

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