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Pedro Álvarez Cabral não estava totalmente errado quando se perdeu no caminho para as Índias e veio parar no Brasil. A Índia, berço mundial das especiarias, pode ser aqui. Em solos tupiniquins nascem várias espécies de canelas, como a sassafrás; o urucum, por muitos chamado de açafrão brasileiro; e o cravo-da-terra, além de mais de cem tipos de pimentas e de frutas tropicais que são usadas como condimento. E isso pode ser apenas o começo. “Não conhecemos a fundo nossas árvores, sementes, frutas e o que ainda há a explorar na vegetação brasileira. Talvez tenhamos muito mais especiarias do que imaginamos”, diz Mara Salles, chef do restaurante Tordesilhas, em São Paulo, especializado em comida brasileira.

As sementes da Amazônia, frutos do Cerrado, árvores, ervas e pimentas que se espalham de Norte a Sul são indispensáveis a pratos regionais típicos, ricos em sabor e em cultura. No Pará, por exemplo, um bom molho de peixe tem de ter a chicória-do-pará, erva que lembra o coentro tailandês. Já em algumas regiões de Minas Gerais, não se faz uma carne de panela bem feita sem o quitoco, planta aromática semelhante ao manjericão, mas de aparência e sabores mais rústicos. No Maranhão, o arroz-de-cuxá, receita com camarão, arroz e pimenta-de-cheiro, só é feito se tiver a vinagreira, uma folhinha ácida típica da região. O pequi, uma fruta do Cerrado, é usado para incrementar o arroz em Goiás.

A lista é enorme e é um contrasenso pensar que os brasileiros, quando muito, usam os temperos universais, como coentro, louro, cebolinha e cravo-da-índia. “A gastronomia nacional precisa ser descoberta pelos próprios brasileiros. O próprio pequi poderia ser uma espécie de baunilha, porque é um ingrediente muito perfumado, com aroma característico”, complementa.

A pesquisadora Rosa Nepomuceno, autora dos livros Brasil na rota das especiarias e Viagem ao mundo das especiarias, comenta que muitos condimentos nacionais que hoje não são valorizados já tiveram espaço inclusive em países da Europa. “O urucum e as canelas da Amazônia eram levados para Portugal e faziam sucesso por lá”, explica.

Mais que especiais

O fascínio pelos temperos incentivou expedições, alimentou o comércio e mudou o rumo da História. Na época das grandes navegações, no entanto, especiarias eram os produtos vindos do Oriente – incluindo temperos secos e até objetos. Só a partir do século 17 que o termo passou a ser empregado para condimentos exóticos. “Hoje pode ser usado como tudo que tempera a comida”, explica a pesquisadora Rosa Nepomuceno. Galhos e cascas de árvore, bulbos, talos, sementes e grãos, caroços, raízes, flores, frutos, folhas e ervas. Tudo isso pode ser especiaria se for usado como condimento. “Até o pinhão, muito comum no Paraná, pode ser assim empregado, porque ele é usado para dar corpo e consistência”, diz.

Mas a menina dos olhos dos temperos brasileiros é, sem dúvida, a pimenta. “É a grande especiaria nacional. As variedades brasileiras são produzidas em outros países e exportadas”, afirma a pesquisadora.

Para a chef Mara Salles, as pimentas têm tanta importância gastronômica e cultural que deveriam ter uma categoria única, separada dos temperos em geral. “Elas conferem aromas extraordinários, dão brilho aos pratos e nem sempre são picantes, como a maioria das pessoas pensa.”

As pimentas-de-cheiro são as que têm maior variedade, espalhadas principalmente pelas regiões Norte e Centro Oeste e muito presentes na culinária regional. Há muitas espécies, em geral mais aromáticas e com menos sabor do que as pimentas da Amazônia. Dentre as amazônicas, a cumari do Pará, facilmente encontrada no Sul e Sudeste, tem pouco aroma, mas um sabor característico.

No topo da lista de mais usadas está, sem dúvida, a malagueta. “Fundamental em feijoadas e na fabricação de molhos, está presente nas mesas de todas as regiões do país”, explica Mara. A origem da pimentinha malagueta é controversa. Segundo o historiador e antropólogo Luiz da Câmara Cascudo, a planta existia no Brasil quando os portugueses chegaram e, com a colonização, só ficou mais popular.

A dedo-de-moça ganha pela versatilidade e é uma das favoritas no Sul e no Sudeste, podendo ser usada tanto como tempero, quanto à mesa para consumo in natura. “Ela aceita pratos salgados, doces e azedos. Combina muito bem com o chocolate”, comenta Andréa Follador, chef e cake designer da Culinária Delícias. Para o chef do restaurante tailandês Lagundri, a dedo-de-moça é a pimenta nacional que mais substitui variedades mexicanas ou asiáticas. “Seu sabor é perfeito para pratos orientais”, afirma.

Combine

O Bom Gourmet desafiou quatro chefs a prepararem receitas que combinassem especiarias nacionais em pratos com peixe, massa, carne vermelha e sobremesa. A chef Letícia Krause, do Letícia Krause Gastronomia, preparou um prato de salmão com molho agridoce de pimenta malagueta. A chef Kika Marder, do Sel et Sucre, escolheu fazer uma massa que acompanha uma emulsão de maracujá. O chef Ken Francis, do Lagundri, colocou um pouco de verde e amarelo em uma tradicional salada tailandesa. Já a cake designer Andréa Follador elaborou um bolo trufado de pimenta dedo-de-moça.

Além de usar os condimentos nacionais, os chefs usaram ervas e temperos que consideram versáteis e podem ser facilmente combinados. As campeãs de preferência são as ervas frescas, como as mediterrâneas coentro e louro, mais a sálvia, tomilho, manjericão e cebolinha, muito usadas na culinária francesa. “Entre as ervas frescas, considero o tomilho uma das mais versáteis, que combina com peixe, carne ou frango. Já entre as secas, o estragão é uma boa dica, fica muito bem com peixe e também com frango. O coentro em grão, quando combinado com o estragão, resulta em um molho muito saboroso”, comenta Kika.

O manjericão também pode ser considerado uma erva curinga. “Na Itália dizem que o tomate combina muito bem com manjericão. Eu conheço um suco de manjericão que fica muito saboroso. Além do manjericão, o coentro e a pitanga são boas dicas”, diz Letícia.

No preparo de doces, a baunilha é unanimidade. “Sem dúvida, é a principal especiaria no preparo de bolos e cremes”, opina Andréa. Os chefs preferem usar a fava de baunilha à essência vendida em mercados. “Não tem comparação, fica muito mais saboroso. O único problema é o preço: duas favas de baunilha custam, em média, R$ 12. Uma ideia é usar as sementes para uma receita, e não jogar fora as favas, colocá-las em um pote com açúcar para que ele pegue o aroma”, diz Kika.

As pimentas são utilizadas na confeitaria para fazer trufas, purês de frutas, tortas e cremes. “As possibilidades são muitas. O picante combina muito bem com o doce. É só ir experimentando e não ter medo de ousar”, afirma Andréa.

A única regra tanto para doces quanto para salgados é em relação à quantidade. Quando demais, o coentro rouba o sabor do frango ou do peixe, o cominho e o alecrim se sobressaem e o gengibre fica muito forte. “Não sou contra as misturas, mas acho que é preciso respeitar as origens do prato. Uma receita escandinava não fica bem se tiver coentro demais ou gengibre. É possível ousar, mas tem de ir com cuidado”, afirma Ken.

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Serviço

Roca Utilidades – Rua Visconde de Guarapuava, 1840 – centro. (41) 3075-9950. Biagallo Presentes – Palladium Shopping Center – Piso L2. (41) 3212-3600.

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