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Vinhos franceses: reinado garantido
| Foto: HENRY MILLEO / AGENCIA DE NOTICIAS GAZETA DO POVO
Henry Milleo / Gazeta do Povo
Divulgação
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Que o mercado de vinhos no Brasil está em franca expansão não é novidade. Beber vinho se torna algo cada vez mais brasileiro e muitos países disputam uma fatia do mercado tupiniquim. Com a quantidade vem a qualidade e os tradicionais rótulos franceses também estão neste páreo superdisputado. A vantagem deles é a tradição e o savoir faire (experiência), além do preço, que ficou mais competitivo nos últimos anos.

Os franceses ganharam mais espaço entre os brasileiros nos últimos anos, apesar de ainda representarem em torno de 5% da importação de vinhos do Brasil – desconsiderando os espumantes, que hoje dominam o mercado. Os tintos e brancos franceses acompanharam o crescimento do consumo da bebida, mas ainda perdem em volume para os chilenos, argentinos, italianos e portugueses, segundo dados do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin).

Para o colunista de vinhos do Bom Gourmet, Guilherme Rodrigues, são vários os fatores que fizeram os vinhos franceses ganhar um espaço maior no mercado. “Atualmente os franceses de preço mais acessível estão bem mais redondos e bem acabados. Além de que, com as crises, os franceses precisaram vender mais e vêm baixando os preços, começando a ficar mais competitivos. Com isso, passamos a ter no Bra­sil acesso a vinhos franceses bem palatáveis, sem doer demais o bolso”, avalia.

Nos últimos anos, os preços caíram e a partir de R$ 50 pode-se comprar vinhos franceses. Mesmo assim algumas garrafas facilmente passam de dezenas de milhares de reais, como o Grand Cru borgonhês Romanée-Conti. Além do preço mais acessível, os produtores passaram a desenvolver rótulos de fácil degustação. Mesmo assim não perdeu em qualidade. Guilherme Rodrigues explica que os vinhos são classificados em três qualidades: baixa, média e alta. “Dentro da alta, cerca de 80% [dos vinhos produzidos no mundo] são vinhos franceses”, afirma.

Para o sócio proprietário da WineStock, Douglas Andreghetti, os produtores da França ao longo dos séculos desenvolveram um marketing próprio que virou sinônimo de vinho. “Produtores do Novo e Velho mundo plantam até as mesmas uvas com o objetivo de ter ótimos vinhos”, diz. A importadora existe há três anos e tem 400 rótulos exclusivamente franceses.

Regiões

A produção do país está dividida entre microrregiões. Algumas das mais emblemáticas são: Bordeaux, Borgo­nha, Rhône, Alsácia, Vale do Loire e claro, Champagne. Cada região utiliza uvas específicas como a Pinot Noir, Cabernet Sauvignon, Chardonnay, Syrah e Sauvignon Blanc – também vistas no Chile e na Argentina. Ou seja, engana-se quem associa vinho francês a tinto. O próprio champagne é um exemplo de que os brancos também fazem sucesso.

Diversos fatores caracterizam os rótulos. O clima de cada região tem impacto direto no resultado. Seja na potência de um Bordeaux, nos aromas mais frutados de um Borgonha, ou mesmo na mineralidade de um Veuve Clicquot brut. A única característica inerente a todos é que independente da safra ou da cave, o vinho francês ainda não perdeu o reinado.

E para mostrar este universo de glamour o Bom Gourmet convidou um time muito especial, de grandes conhecedores de vinhos, para escrever sobre o tema. Além do nosso colunista de vinhos, Guilherme Rodri­gues, os jornalistas Luiz Carlos Zanoni e Luiz Augusto Xavier, e o fotógrafo Jomar Brustolin.

Bordeaux, o rei dos tintos

Guilherme Rodrigues, colunista de vinhos da Gazeta do Povo

O vinho tinto da região francesa de Bordeaux é o soberano inconteste do mundo de Baco. Possui rivais de peso, dentre eles os celestiais vinhos da Borgonha. Contudo, nenhuma outra região do planeta é capaz de produzir a quantidade colossal de vinhos tintos qualificados que Bordeaux edita a cada safra. De lá saem os famosos Châ­teaux Pétrus, Che­­­val Blanc, Haut Brion, Lafite Rothschild, entre tantas outras celebridades.

A região é o terroir natural e perfeito da casta mais importante do mundo, a Cabernet Sauvignon. Assim como para a Merlot e a Cabernet Franc. Também a Petit Verdot, que entra nos lotes com proporção menor. A qualidade não se limita aos grand cru classés, de rótulos sonantes. Hoje em dia é encontrada bem disseminada em todas as gamas de preços, com vinhos bem acabados, com a personalidade regional bem apresentada, mostrando frutado maduro, frescor, profundidade e a classe única, imitada em todo mundo.

Bordeaux possui diversas sub-regiões, sendo as mais notáveis: Médoc, Graves, St. Emillion e Pomerol. Na primeira, os vinhos costumam ser mais austeros, com predomínio da Cabernet Sauvignon no lote, o Bordeaux “clássico”. A presença da Merlot e maciez do vinho vão aumentado em direção a Pomerol, onde, juntamente com St. Emillion, a Merlot é preponderante.

>>>Confira a degustação às cegas de vinhos Bordeux

Borgonha, paixão e fidelidade

Luiz Carlos Zanoni, especial para a Gazeta do Povo

Tome cuidado com a Borgonha se você gosta de vinhos, mas não aprecia riscos. A região é a secular concorrente da também francesa Bordeaux pelo título mundial de mais prestigiosa província vinícola, uma o avesso da outra. Enquanto os tintos de Bordeaux exibem, como traço comum, o jeitão sisudo e uma consistência que os qualifica para longos períodos de guarda nas adegas, os bons borgonhas são etéreos, ariscos, amadurecem em menos tempo e nem sempre se revelam ao primeiro gole.

O vermelho clarinho, quase transparente da cor, pode criar a expetativa de um vinho ralo, ligeiro, mas, quando a taça sobe ao nariz, explodem os aromas – ora frutas vermelhas como morango, pitanga e cassis, ora alcaçuz, couro, cogumelos, e não raro tudo isso junto. O paladar é a surpresa seguinte. Texturas sedosas revestem um corpo potente, elegante, cheio de frescor e vivacidade. Pena que nem sempre seja assim. O entusiasta de vinhos tintos não tem vida fácil na Borgonha. Já no caso dos brancos, curiosamente, acontece o oposto, tudo se ajusta para a satisfação garantida do consumidor.

A chamada Borgonha vinícola estende-se, num percurso de 250 quilômetros, de Chablis, ao norte, até Lyon, ao sul. A quintessência dos tintos e brancos, entretanto, ocupa as suaves colinas que avançam por 100 quilômetros rumo ao sul, a partir de Dijon – a chamada Côte d’or. Em 1395, por um édito real, apenas duas uvas foram permitidas nessa região, a tinta Pinot Noir e a branca Chardonnay. Até hoje continua assim. A província tem clima frio, com geadas frequentes no outono. Uva que amadurece cedo, a Pinot se expõe menos às geadas, mas em anos rigorosos não escapa.

Esse é um problema. Outro é ser a úni­­ca cepa permitida. Nas demais regiões, como Bordeaux, os vinhos associam diferentes variedades de uvas, o que permite ao enólogo compensar, agregando na mescla as que se deram melhor.

Já para o consumidor a dificuldade es­­tá na escolha. O predomínio das pe­­quenas propriedades torna a região um intrincado mosaico. E muitos produtores usam denominações semelhantes, o que confunde ainda mais. A regra nú­­­mero um, portanto, é saber quem produz.

Mesmo com tantos problemas, os tintos da Borgonha são os vinhos que provocam as mais arrebatadoras paixões e fidelidades. Pois nada se compara a um Pinot Noir nos trinques. São aveludados, complexos; na taça, os sabores e aromas mudam aos poucos, dá para conversar por horas com a garrafa. E tem um particular, a Pinot pegou esse limão que é o frio da Borgonha e com ele fez uma limonada. Sob baixas temperaturas, as uvas não atingem picos de maturidade, e preservam uma boa taxa de acidez, qualidade que está se tornando rara em razão de fenômenos como o aquecimento global, responsáveis pelos vinhos alcoólicos e pesadões tão frequentes por aí.

Borgonhas que se prezem nunca são assim. E o estilo fluido, equilibrado faz deles parceiros ideais para um leque imenso de harmonizações à mesa. Entre os bons produtores presentes em nosso mercado destacam-se Dugat-Py, Pacalet, Dujac, Armand Rousseau, Li­­ger-Belair, Denis Mortet, Faiveley, Vo­­güe, Prieuré Roch, Simon Bize, Jadot, Mon­­­tille, Ambroise, e, estrela maior, o Domaine de Romanée-Conti. A escala de preços é elástica, vai por exemplo, de um Magnien Croix Violette a R$ 95, até os R$ 7.500 de um Romanée-Conti.Uma boa notícia, a propósito, é que estão chegan­do as garrafas da safra 2009, tida como uma das melhores dos últimos vinte anos.

Mas, quando se fala em Borgonha, não dá para se esquecer dos brancos. Logo abaixo de Beaune, a Chardonnay reina, soberana, em vinhedos como os de Puligny e Chassagne-Montrachet, Volnay, Meursault e Aloxe-Corton. São vinhos estupendos, temperados pelo estágio em carvalho, de corpo untuoso, amanteigado e uma rica paleta aromática – mel, amêndoas, frutas tropicais ma­duras. Entre os melhores produtores, estão Coche-Dury, Ramonet, Leroy, Drouhin, Michel Bouzereau, Lafon, Leflaive, Dauvissat e Sauzet. Valem o preço e com estes não há riscos.

A diversidade do Rhône

Jomar Brustolin, especial para a Gazeta do Povo

A região do Rhône é famosa pela sua variedade ícone, a Syrah, muito embora seja uma injustiça associar somente esta uva a uma região de grande diversidade. Primeiramente, devemos entender as diferenças entre o Rhône do norte e do sul. O norte é dominado pela Syrah, mas também é berço de variedades brancas de apelo único, como a Viognier, a Marsanne e a Roussanne. No sul do Rhône encontramos uma cultura multivarietal, com destaque para a Grenache, mas também com forte presença de Syrah, Mourvèdre, Carignan e Cinsault.

O clima do Rhône é marcado pela influência do vento Mistral, que funciona como um regulador de temperatura, resfriando os vinhedos e proporcionando maturação lenta para as uvas. A parte norte tem um clima continental, com invernos frios e verões quentes. Por sua vez, o sul é mais mediterrâneo, com verões mais quentes e invernos amenos.

Grosso modo, podemos dizer que o terroir do Rhône favorece os vinhos potentes, de grande concentração, ricos em sabores. Infelizmente não é sempre isso que vemos. Não espere encontrar a exuberância típica dos grandes vinhos do Rhône em qualquer garrafa rotulada como Côtes du Rhône. Vale lembrar que a denominação de origem (ou AOC, como preferem os franceses) Cotês du Rhône é a mais genérica e abrangente, sendo assim, é utilizada para vinhos simples, que podem ser bons ou desprezíveis, dependendo do produtor.

Para realmente conhecer o Rhône é preciso provar um vinho de suas melhores AOCs, como de Hermitage e Cotê-Rôtie. Nessas duas microrregiões encontramos alguns dos melhores vinhos do mundo feitos com a Syrah. Em Hermitage, a Syrah encontra condições ideais para desenvolver toda a sua personalidade. Na sua melhor forma são vinhos ricos e expressivos, com aroma intenso de especiarias e defumados, um traço típico da Syrah.

Os melhores exemplares são feitos pelos négociants Colombier, JL Chave, Paul Jaboulet Aîné, Delas Frères, M.Chapoutier, E.Guigal e Jean-Luc Co­­lombo. Cotê-Rôtie apresenta um estilo semelhante ao do Hermitage, porém mais redondo e acessível, com a peculiaridade de poder utilizar até 20% da uva branca Viognier. Essa mistura com a Viognier pode proporcionar um charme a mais, muito embora os melhores produtores prefiram misturar quase nada de Viognier. A lista de produtores é a mesma de Hermitage, com destaque para E.Guigal, que é um especialista em Cotê-Rôtie.

O problema de Hermitage e Côte-Rôtie é o preço dos seus vinhos. São invariavelmente caros, mesmo quando não atingem a sua melhor expressão – dificilmente são encontrados por menos de R$ 300 e podem ultrapassar a marca de R$ 1 mil. Uma alternativa mais acessível é procurar pelos vinhos de Crozes-Hermitage, St-Joseph e Cornas – com boas opções entre R$ 100 e R$ 200. A qualidade é bastante irregular, mas os mesmos négociants de Hermitage fazem bons vinhos nessas AOCs vizinhas. Vale muito a pena o Alain Graillot Crozes-Hermitage La Guiraude, um dos melhores da região, superior a muitos Hermitage.

No sul do Rhône a AOCs mais conhecida é Châteauneuf-du-Pape, que na sua melhor forma oferece vinhos encorpados e sedosos, marcados por insinuantes aromas de couro e chocolate. Alguns dos produtores já citados também fazem o seu Châteauneuf-du-Pape, embora o time de elite seja formado por Chateau de Beaucastel, Domaine du Vieux-Télégraphe, Domaine du Pegau e Clos de Papes.

Harmonizações imbatíveis

Luiz Augusto Xavier, especial para a Gazeta do Povo

Harmonização é palavra da moda no meio gastronômico. Está presente em todas as conversas, cardápios, eventos e encontros à mesa. Já se foi o tempo em que vinho branco casava com peixe, vinho tinto com carne e estava tudo conversado. Hoje as combinações são ilimitadas, graças ao desenvolvimento do paladar do brasileiro, que também se rendeu aos encantos sugeridos por Baco.

Claro que tem muito a ver com o paladar de cada um, mas algumas regrinhas básicas são seguidas, permitindo excelentes resultados. Mais ainda com os incomparáveis vinhos franceses. Afinal, a França é o maior país vinícola do mundo.

O primeiro destaque é para a região de Bordeaux, com vinhos de altíssima qualidade. A combinação mais clássica entre os Bordeaux (basicamente os da uva Cabernet Sauvig­non) é com o carneiro. Mas os tintos também vão muito bem com miúdos, carne de caça, carne de porco assada, queijos envelhecidos e massas com molho de carne.

Como a gama de vinhos da região é grande, não podem ser desconsiderados alguns brancos secos, que se dão muito bem com peixes (de rio e de mar) e ostras. E alguns brancos doces, com sobremesas cremosas. O mais famoso branco doce de Bordeaux, o Sauternes, é bom parceiro para sobremesas cremosas. Mas é imbatível para escoltar um bom naco de foie gras, justamente pela maneira como se complementam o açúcar de um e a gordura do outro. Também se dá bem com o queijo roquefort, que invariavelmente passa por cima dos demais vinhos.

A Borgonha, com seu clima mais frio, vem a seguir, com uma saborosa combinação de vinhos nos pratos e nas panelas em duas de suas principais referências à mesa: o Boeuf Bour­guignon e o Coq au vin. Carne de boi num caso, de galo (na origem, pois hoje se faz com galinha caipira) no outro, cozidas no vinho tinto (feito com a uva pinot noir), resultando em pratos encorpados e de acordo com a temperatura local.

Outras regiões que poderiam ser consideradas em uma primeira seleção são a de Champagne, onde estão os espumantes mais famosos do mundo, que, segundo seus aficionados, harmonizam com tudo, do início ao término da refeição; a de Côtes du Rhône, de tintos robustos, e a de Proven­ce, pródiga na produção dos vinhos brancos, mas especialista em rosés. Inclusive para harmonizar com um dos pratos mais conhecidos de sua maior cidade, Marselha, que é a Bouillabaisse, um ensopado de peixes e frutos do mar com um toque dourado de açafrão.

Isso para ficarmos apenas entre os principais, pois a França toda renderia ainda muita conversa saborosa, com uma harmonização para cada cantinho do país.

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