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O escritor português Valter Hugo Mãe. | Pedro Serapio/Gazeta do Povo
O escritor português Valter Hugo Mãe.| Foto: Pedro Serapio/Gazeta do Povo

O escritor português Valter Hugo Mãe volta para o país para lançar seu sétimo romance, Homens Imprudentemente Poéticos.

Ambientado no Japão, o livro retoma o tema da morte, já presente em outros títulos do autor, a partir do ponto de vista oriental. Tanto o artesão Itaro como o oleiro Saburo passam seus dias lidando com as próprias perdas, com vidas marcadas pela miséria e com o sentimento de discórdia que têm um pelo outro. Em passagem por Curitiba para o evento de lançamento do livro, Valter Hugo Mãe concedeu à Gazeta do Povo a seguinte entrevista:

Seu livro anterior [A Desumanização] se passava na Islândia e o Homens Imprudentemente Poéticos se passa no Japão. Qual a sua relação com essas viagens?

Esta locação dos meus livros para fora de Portugal tem a ver com buscar uma experiência que possa ser nova para mim, é quase como se a estética, a cultura e as referências de um lugar me pudessem sugerir chegar também a um livro que é categoricamente diferente. Para mim é muito importante convencer-me, aos 45 anos, que ainda existe um livro que vale a pena se escrever, que eu possa ter uma justificação para escrever. Então sair da minha zona de conforto e lidar com algo que não me é imediatamente familiar, embora me seja atrativo, é uma proposta de voltar a um ponto inicial da literatura, que eu preciso vigiar qualquer coisa, que eu não posso usar as fórmulas reconhecíveis.

E qual foi a justificativa para esse livro?

Eu queria muito aprofundar um traço que eu suspeitava e admiro no Japão, que tem a ver com a construção de uma respeitabilidade mesmo entre opositores. E o Japão é esse país de uma ferocidade muito grande, dos guerreiros mais terríveis, dos kamikazes, mas ao mesmo tempo é um país historicamente fechado, e conseguiu maturar uma sociedade de pura gentileza. Meu livro acontece aí, nessa ilha japonesa, com personagens japoneses, ele na verdade é uma reclamação dessa mesma gentileza para o nosso mundo. Acho que é uma das urgências máximas da ocidentalidade.

Essa questão da cordialidade é o motivo para você não ter usado a palavra “não” durante todo o livro?

A ausência do “não” é exatamente uma forma de simbolizar esse discurso pendente à ausência do confronto. O “não” é um vocábulo limite, que parece rejeitar o outro. O Japão desabituou-se ao uso do “não” para levar a uma cordialidade.

Boa parte do livro se desenvolve pela relação de confronto entre Itaro e Saburo. Esse ódio infundado é uma leitura que você faz do mundo de hoje?

Sim. Sempre vamos ter um incômodo com alguém, há sempre alguém que vai ficar excluído da nossa afetividade. O Itaro e o Saburo são expressões desses pólos contraditórios e talvez sejam exatamente os atores dessa aprendizagem da necessidade de uma educação da inimizade, como ser-se inimigo de alguém devesse ser algo sempre ético e educado.

A morte é um tema presente em muitos dos seus livros, e você retoma o tema com um ponto de vista diferente no novo livro. O que te chamou atenção na maneira japonesa de ver a morte?

Em todos os meus livros eu estou tentando criar um problema com a morte. Eu tenho a intenção de fazer com que a morte mude de sentido, que possa ser um momento de dignificação e não de humilhação da vida inteira de alguém. Nos meus livros existe sempre aspiração a essa justificação, que a morte possa ser uma completude não uma fatura. Agora, nesse Homens Imprudentemente Poéticos, eu me aproximo de um conceito japonês que tem a ver com o suicídio e retira o suicida dessa visão desesperada e talvez possa aludir a essa sensação de maturação, como se a morte acontecesse exatamente pela maturidade de alguém, pela completude de alguém, não por uma falha, e isso eu acho muito precioso. O suicida não pode ser estigmatizado lá e isso contrasta muito com a visão do ocidente.

Qual o papel da literatura no mundo de hoje?

Minha literatura foi sempre muito clara na sua vontade de escutar o mundo. Nunca quis escrever livros que fossem só abstrações como se pudessem promover um lado lúdico de alienação. Meus livros existem para problematizar as questões e eventualmente propor pistas para um tipo de construção e conscientização. Tem que sobretudo deslocar o leitor. A gente lê um livro para sair do lugar, não vale a pena ler um livro que nos mantenha exatamente na mesma condição. Acho fundamental em todos os gestos de todos os dias. E quanto mais não seja, nem que seja só pela conquista da consciência. Se chegamos em um ponto em que cada um de nós habita consciente sua contemporaneidade seremos muito mais capazes de uma decisão melhor e talvez o Trump nunca pudesse ser o presidente de porcaria nenhuma.

Como foi seu processo de escrita para esse livro?

Estou ficando cada vez mais louco, sou perfeito para enlouquecer, fico tão obstinado procurando acertar numa versão espontânea, que as palavras sejam de uma naturalidade mais que de uma oficina truculenta, que ao invés de ficar corrigindo e ajeitando como se tivesse forçando o livro a ser alguma coisa que ele não quis, eu abandono e começo outra vez, na expectativa que a versão que estou começando possa ser uma versão que queira ser harmoniosa. A versão publicada é a 17.ª, se tivesse terminado todas eu teria 17 livros com alguns nomes semelhantes, alguns pontos de contato mas rigorosamente seriam 17 livros diferentes.

Informações sobre o livro

Homens imprudentemente poéticos

Valter Hugo Mãe

Biblioteca Azul

R$ 44,90

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