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Cartum de Ali, conhecido como Eaten Fish | Reprodução/
Cartum de Ali, conhecido como Eaten Fish| Foto: Reprodução/

Nos arredores de Washington, a organização Rede Internacional de Direitos dos Cartunistas (CRNI, na sigla em inglês) lutou por décadas em nome de artistas ao redor do mundo que têm sido aterrorizados, brutalizados e às vezes encarcerados. Mas o caso mais recente do grupo de direitos humanos pode ser seu mais difícil e, logo, seu mais desolador até o momento.

Um jovem iraniano cujo primeiro nome é Ali e que assina como Eaten Fish está internado no campo de detenção de refugiados de Manus Island na Papua Nova Guiné, que é financiado e supervisionado pelo governo da Austrália, diz a RIDC. Há relatos de que ele está detido há três anos e desenhou cartuns retratando tratamento desumano.

“E nesses cartuns seus personagens estão perguntando questões tão simples e humanas”, o diretor executivo da CRNI, Robert Russell, diz. “Seus cartuns serão reconhecidos algum dia como importantes crônicas universais sobre o pior comportamento humano desde os campos de concentração da Segunda Guerra Mundial.”

A CRNI diz que as Nações Unidas consideraram as práticas do campo “punição cruel, desumana e degradante”, e que “elas violam a Convenção das Nações Unidas Contra a Tortura da qual a Austrália é uma signatária.” E de dentro desse campo veio o material editorial de Eaten Fish, em virtude do qual a CRNI honrou o artista conferindo-lhe a edição de 2016 de seu Prêmio por Coragem em Cartuns Editoriais, que tradicionalmente ajuda a chamar atenção para o calvário de um artista em perigo.

“Eaten Fish tem sido capaz de manter um fluxo de cartuns documentando os indizíveis abusos e excessos dos guardas e administradores do campo”, diz a CRNI. “Por isso, ele tem sido sujeito a espancamentos, privação de comida, e tratamentos ainda mais degradantes pelas mãos dos guardas.”

Nós nos encontramos com Russell para discutir o calvário e o futuro de Eaten Fish.

Então, de acordo com os relatos de Ali, ele está preso há mais de três agora, a maior parte desse tempo na ilha Manus. O que sabemos sobre os detalhes desse caso? Alguns relatos dizem que ele tem estado doente e precisa de atenção médica especial, que tem sido alvo de violência e sofre de Transtorno Obsessivo-Compulsivo que resulta em ferimentos autoinfligidos também. O que você foi capaz de estabelecer ou confirmar?

Trabalhamos de perto com uma equipe na Austrália que está monitorando ele e outros escritores e outros tipos de artistas detidos no campo de Manus. Podemos confirmar tudo o que você acabou de dizer.

Como vocês chegaram a descobrir o caso de Ali, e vocês tentaram descobrir os detalhes do caso imediatamente por meio de sua rede de contatos?

R: Se me lembro corretamente, fomos a um perfil no Twitter e começamos a seguir os links nos tweets para onde nos levavam. A partir daí, foi fácil nos espalharmos e conectarmos com outras organizações de direitos humanos na Austrália que tinham divulgado a história há algum tempo.

P: Alguém da CRNI tem estado em contato com Ali?

R: Isso não é algo a respeito do que gostaria de comentar neste momento. Conforme a situação de Eaten Fish – me desculpe se tratá-lo por senhor Fish – melhorar, ou conforme mais pressão for feita sobre o governo australiano para fechar esses campos de detenção e encarceramento, será mais fácil manter contato com ele.

P: O que sabemos sobre a história pessoal de Ali? Ouvimos que ele é um refugiado iraniano de 25 anos. (...) Por que ele está sendo detido?

R: Se você é um refugiado fugindo de alguma situação mortal, e você decide ir para a Austrália porque parece um país justo e amante da liberdade, e se você chega de barco, está em sérios problemas. Aqueles que chegam de barco são imediatamente entregues a esses campos de detenção em ilhas longe da Austrália, sem, frequentemente, absolutamente qualquer esperança de, ou mesmo um caminho para, regularizar sua situação e ser reconhecido como refugiado, [o que te colocaria] sob a proteção do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados.

Se você é um refugiado fugindo de alguma situação mortal, e você decide ir para a Austrália porque parece um país justo e amante da liberdade, e se você chega de barco, está em sérios problemas.

O governo da Austrália promete que, se você chegar de barco, nunca verá novamente um centímetro quadrado do solo Australiano. Essa é a verdadeira história sobre o que está acontecendo com o senhor Fish e milhares de outros detentos nesses campos de detenção criminosos, quase de inspiração nazista. A Cruz Vermelha Internacional ou a Sociedade do Crescente Vermelho Internacional, O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados e governos de todo o mundo deveriam estar mandando missões de investigação de nível ministerial para a ilha Manus e os outros campos de detenção nesse gulag particular da Austrália.

P: Sabemos (...) se Ali está sendo punido pelos seus cartuns?

R: [O que posso dizer é que], se você for um refugiado em um desses campos ser flagrado tentando se comunicar ocultamente com o mundo exterior, será severamente punido e estará sujeito a uma sentença adicional de dois anos na prisão.

P: O que a respeito do trabalho de Ali mais comoveu você e o juízes da CRNI/Prêmio por Coragem?

R: Enquanto Ali está passando por tamanho tratamento brutal e desumano, e sofre ataques físicos por todos os lados, seus cartuns permanecem mordazes, cheios de vida, tão cheios de crianças amigáveis e de esperança. E nesses cartuns seus personagens estão perguntando questões tão simples e humanas. Seus cartuns serão reconhecidos algum dia como importantes crônicas universais sobre o pior comportamento humano desde os campos de concentração da Segunda Guerra Mundial.

Enquanto Ali está passando por tamanho tratamento brutal e desumano, e sofre ataques físicos por todos os lados, seus cartuns permanecem mordazes, cheios de vida, tão cheios de crianças amigáveis e de esperança. E nesses cartuns seus personagens estão perguntando questões tão simples e humanas.

Nosso prêmio frequentemente tem o efeito de lançar luz sobre um cartunista muito desesperado, isolado e abandonado em algum lugar do mundo. Tivemos grande prazer em ver muitos dos nossos premiados saírem da total obscuridade para se tornarem alguns dos cartunistas mais reconhecidos e influentes mundialmente.

P: Muitos dos cartunistas que estavam encarcerados e receberam o prêmio agora estão livres, e você trabalhou ao redor do mundo ao longo de quatro décadas em nome dos direitos humanos dos artistas. Como o caso de Ali se assemelha e se diferencia de outros para os quais você lutou para chamar atenção? E o governo dos Estados Unidos está envolvido de alguma forma?

R: Se o governo dos Estados Unidos está envolvido, não sei, mas é inconcebível pensar que o alto escalão do Departamento de Estado está completamente ciente da situação desse e de outros detentos. É claro, o governo Australiano está mentindo descaradamente toda vez que questionamentos diplomáticos são feitos, então países como os Estados Unidos têm de sopesar o custo de promover os direitos humanos com provavelmente os riscos econômicos e políticos de irritar alguns de nossos aliados.

A situação de cada cartunista é diferente. Cada cenário em que trabalhamos é diferente. Quando estamos trabalhando em um ambiente completamente novo ou região na qual nunca trabalhamos antes, a curva de aprendizado é bem íngreme, e pode às vezes ser longa. Nosso protocolo para ajudar cartunistas é: primeiro, não cause prejuízo. Segundo, sempre trabalhe diretamente com os cartunistas se isso for possível ou com um representante legal, ou a família permanecerá livre e determinando qual estratégia deveria ser adotada para tentar aliviar o cartunista de seus problemas. Em um caso como o do senhor Fish, o ambiente ao seu redor é tão avassalador, e tem tantos elementos diferentes, que é difícil entender a situação como um todo.

P: O que você mais quer que os leitores saibam sobre o caso de Ali?

R: O caso do senhor Fish é o pior, mais complicado e mais desolador com que já trabalhei na nossa história de vinte e poucos anos. As pessoas deveriam saber que um país democrático moderno com fortes garantias a direitos humanos em sua constituição está mantendo centros de detenção para pessoas de pele não branca. Isso vindo do país que foi dado à luz por imigrantes eles próprios involuntários. Tudo isso vindo do lindo país nascido sob o cruzeiro do sul.

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