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Durante décadas, os videogames vêm sendo causa de mistificação para pessoas que não jogam. A New York Times Magazine teve dificuldades com a emergência dos jogos de fliperama em 1974 – chamando-os de “máquinas de pinball da era espacial” – nos bares de Manhattan. O que podia ser esse novo entretenimento que funcionava com moedinhas? Se não um novo tipo de pinball, seria uma jukebox recauchutada? Pebolim eletrônico? Quanto dinheiro rendia? Viciava? Será que podia ajudar doentes? Controladores de tráfego aéreo? Mais de 40 anos depois, muitas dessas perguntas continuaram sem resposta. E alguns mitos duradouros ainda demonstram uma dificuldade extrema para serem desmentidos.

1. Pong foi o primeiro jogo de videogame

Apesar de ter sido desmentida várias vezes já, a ideia de que “Pong” foi o primeiro jogo ainda persiste. Uma manchete da Vanity Fair ilustra esse equívoco comum: “As Origens do Primeiro Jogo de Fliperama: o Pong do Atari”.

Pong foi um sucesso comercial imenso, que ajudou a transformar uma mídia nascente em entretenimento de massa. Mas ele não foi o primeiro jogo de fliperama, nem o primeiro videogame doméstico que dava para ligar na TV de casa. Pong não foi nem a primeira versão de videogame de tênis de mesa – foi só a primeira que custava uma moeda para jogar.

Como qualquer mídia, o videogame tem muitos antecessores. A maioria dos especialistas aponta para o “Tennis for Two”, de William Higinbotham, uma demonstração criada para a exposição do Laboratório Nacional de Brookhaven de 1958, em Long Island, como sendo o primeiro videogame de verdade.

Depois do “Tennis for Two”, veio o “Spacewar”, projetado por Steve Russell e outros do Massachusetts Institute of Technology em 1962. “Spacewar” ganhou tanta popularidade entre cientistas da computação que trabalhavam com mainframes que houve um torneio em Stanford em 1972, que recebeu cobertura de Stewart Brand para a revista Rolling Stone. Quem fotografou foi ninguém menos que Annie Leibovitz.

E o primeiro console doméstico não foi “Pong”, mas o Magnavox Odyssey de Ralph Baer, lançado em 1972, três anos antes da versão doméstica do “Pong” para o Atari. Ele também incluía um jogo de tênis de mesa.

“Pong” não foi nem mesmo o primeiro jogo de fliperama de moeda do fundador da Atari, Nolan Bushnell. Essa honra vai para o “Computer Space”, de 1971.

2. A indústria dos videogame é maior do que a do cinema.

Desde o começo da década de 1980, as pessoas vêm especulando que a popularidade do entretenimento interativo é prejudicial para as bilheterias. Em 1982, o New York Times fez uma reportagem que afirmava que videogames arrecadavam US$ 8 bilhões por ano, muito mais do que “os US$ 3 bilhões arrecadados por todos os filmes em cartaz nos cinemas”. E o mais chocante era que o jornal relatou também que “Pac-Man” sozinho “havia rendido cerca de US$1,2 bilhão – três vezes o que arrecadou ‘Guerra nas Estrelas’, o filme mais popular da história, nos primeiros cinco anos após seu lançamento”. A alegação de que o tamanho da indústria dos videogames rivalizava ou excedia o de Hollywood tem sido comum na mídia já faz mais de três décadas.

É verdade que, só no último ano, os consumidores dos EUA gastaram quase US$ 24 bilhões em videogames, mais do que o dobro dos US$ 11 bilhões em ingressos de cinema. Mas os valores de bilheteria não chegam nem perto de representar a arrecadação total da indústria do cinema ou sequer de Hollywood. Os consumidores dos EUA gastaram US$ 18 bilhões adicionais em itens de entretenimento doméstico, como Blu-rays, DVDs, iTunes e Netflix. É claro que parte desse dinheiro foi gasto para assistir séries, em vez de filmes, mas, mesmo assim, já estamos uns bons US$ 5 bilhões na frente da renda gerada pelos videogames, sem considerar os custos dos (ou direitos autorais pagos pelos) canais de TV a cabo como HBO. Os números da indústria dos videogames também estão inflados, dada a inclusão dos valores das vendas de equipamentos, como consoles e controles. Os dados para cinema e TV não incluem os custos de coisas como aparelhos de Blu-ray ou controles remotos universais.

E o mais importante: números em dólares não são o mesmo que pessoas. Seguem algumas contas bem esquemáticas: Quando “GTA V” faz US$ 1 bilhão, é porque 20 milhões de pessoas, mais ou menos, compraram o jogo. Quando “O Despertar da Força” faz US$ 1 bilhão, é porque foram vendidos 100 milhões de ingressos, mais ou menos. Mesmo se cada um desses espectadores tivesse assistido duas vezes a “O Despertar da Força”, e cada jogador de “GTA V” nunca compartilhasse o jogo com mais ninguém, a película da Lucasfilm ainda continuaria na frente.

3. Videogames são feitos para homens.

Segundo uma pesquisa do Pew Research Center publicada em dezembro, 60% do público dos EUA acredita que “a maioria das pessoas que jogam videogame são homens”. A publicidade para os jogos que mais vendem, como “Call of Duty” e “Madden NFL”, tende a ser direcionada para homens, e quase três vezes mais homens do que mulheres se descrevem como gamers (15% dos homens, em comparação a 6% das mulheres).

Os últimos dados da Entertainment Software Association, o braço do lobby da indústria dos videogames, indica de fato que a maioria dos jogadores – 60% – são homens. Mas isso ainda aponta para uma porcentagem considerável de jogadoras mulheres. Há mais mulheres com mais de 18 anos que jogam videogame do que meninos menores de 18; e também é mais provável que mulheres com 50 anos ou mais joguem do que homens nessa mesma faixa etária. E homens e mulheres igualmente afirmam terem jogado já pelo menos um jogo na vida em números mais ou menos idênticos. Uma pesquisa do Pew Research Center publicada em agosto do ano passado descobriu que quase 60% das meninas adolescentes jogam no computador, console ou celular.

Mas há um motivo para elas não serem percebidas: quase metade dessas adolescentes nunca joga online, e 25% delas sempre joga sozinha, nunca na presença física de outra pessoa. Só 28% das meninas que jogam online usa a opção de chat de voz para conversar com outros jogadores (que é utilizada por mais de 70% dos meninos adolescentes que jogam online).

4. Jogos violentos motivam atos de violência real

Após o massacre na escola Columbine em 1999, os videogames foram culpados por ajudarem a anestesiar os atiradores em relação às consequências de suas ações. Mas essas alegações são ainda mais antigas do que a nossa era de violência em massa: na década de 1970, os jornalistas entraram em pânico em torno de um jogo de fliperama chamado “Death Race”, e em 1982, o programa “The MacNeil/Lehrer NewsHour” apresentou um debate na PBS sobre se jogos como “Space Invaders” não seriam violentos demais ou se não ensinavam as crianças a desrespeitar o valor da vida humana (e não apenas da vida alienígena).

Essas preocupações não eram sem fundamento. Uma revisão da literatura científica conduzida por uma força-tarefa da American Psychological Association, encontrou um elo “bem estabelecido” entre jogos violentos e aumentos de curto prazo na agressividade. Em ambientes de testes em laboratório, os voluntários que jogam jogos violentos estão mais dispostos a aplicar castigos mais pesados a um estranho, como quantidades maiores de molho de pimenta ou barulhos mais altos, do que os que não jogam.

Jogos violentos também levam a níveis mais altos daquilo que os psicólogos chamam de “cognição agressiva” – por exemplo, num teste de completar palavras com letras faltantes, como “explo_e”, eles tendem a optar pelo D, que dá “explode”, em vez de “explore”.

Mas muitos pesquisadores questionam essas descobertas, afirmando que, na melhor das hipóteses, elas indicam um efeito mais sobre o modo de pensar do que de agir, e, na pior, meramente comprovam que ver imagens de explosões faz as pessoas pensarem em explosões. Muitos jogos, incluindo Pac-Man, poderiam ser considerados “violentos” sob as definições vagas usadas pelos psicólogos. A frustração ou a competição, mais do que as imagens violentas, podem levar a sentimentos aguçados de agressividade, segundo esses pesquisadores.

Centenas de estudiosos assinaram uma carta aberta em 2013, quando a força-tarefa começou a trabalhar, para protestar que a pesquisa de efeitos de mídia tem problemas metodológicos bem conhecidos já e que “pesquisadores responsáveis” podem concluir que mídias violentas não aumentam a agressividade dos consumidores. A violência entre jovens está numa baixa histórica, segundo a carta, ao mesmo tempo em que jogos violentos se veem mais populares do que nunca.

Em todo caso, a força-tarefa não encontrou provas de que jogos violentos levam a atos de violência criminosa ou delinquência. E o jogo favorito de Adam Lanza, o atirador de Sandy Hook, era um jogo não violento, o “Dance Dance Revolution”.

E, pelo menos desde que foi publicado, em 2005, o livro “Tudo que é ruim é bom para você”, de Steven Johnson, os jogadores de videogame vem declarando com orgulho que seu hobby pode parecer tosco e infantil, mas que, na verdade, ele está aperfeiçoando os seus cérebros.

5. Videogames nos deixam mais inteligentes.

E eles podem estar enganados também. Um número de estudos relacionou os chamados “jogos de ação” – em sua maior parte jogos de tiro em primeira pessoa – a uma melhoria na coordenação motora olho-mão e pensamento espacial. O mais surpreendente é que esses jogos podem melhorar a visão, aumentar os níveis de atenção e melhorar a eficiência da alternância de tarefas mental dos jogadores, mesmo quando não estão jogando. Mas apenas alguns jogos têm esse efeito. O xadrez – seja num tabuleiro físico ou virtual – não confere nenhum desses benefícios. E o mesmo pode ser dito de vários dos jogos mais populares menos agitados, incluindo “Candy Crush Saga”, “Angry Birds”, “The Sims”, “Minecraft” ou até mesmo “Tetris”. Alguns jogos de esporte, corrida ou aventura também podem ser considerados “de ação”, mas a pesquisa enfatizou o benefício dos jogos de tiro, que exigem perceptualmente mais dos jogadores. E os jogos que melhoram o desempenho cognitivo costumam ser logo os que a força-tarefa da American Psychological Association afirma aumentarem a agressividade.

Então, se você quiser as “habilidades cognitivas superiores” possuídas pelos gamers, segundo a revisão da literatura conduzida por Gillian Dale e C. Shawn Green e publicada em seu livro recente, “The Video Game Debate” (“O Debate do Videogame”, em tradução livre, ainda inédito no Brasil), você vai ter que jogar um jogo de ação. Tente o “Overwatch” ou o último “Doom”. É provável que você acabe notando uma melhoria em sua “percepção, atenção, memória e funcionamento executivo”, como comentam Dale e Green. Só cuidado se for manusear porcelana depois.

*Chris Suellentrop é o apresentador do podcast “Shall We Play a Game?”

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