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James Stewart é um policial que tem medo de alturas em “Um Corpo Que Cai”. | Divulgação
James Stewart é um policial que tem medo de alturas em “Um Corpo Que Cai”.| Foto: Divulgação

Durante décadas, O Encouraçado Potemkin e Cidadão Kane se alternaram no topo das listas de melhores filmes de todos os tempos. Ora era o cultuado clássico de Sergei M. Eisenstein, com sua celebração da montagem e a cena da escadaria de Odessa, que Eric Hobsbawm considera a mais influente do cinema, ora o de Orson Welles que consolidou o bê-á-bá da narração cinematográfica – e o curioso é que Kane, com seu retrato do americano como imperialista, não deixa de estar na contramão do canto que o russo faz do homem-massa comunista. Mas nos últimos anos tem ocorrido um fenômeno interessante.

Em 2012, a revista Sight and Sound, editada pelo BFI, British Film Institute, fez uma pesquisa com diretores e estudiosos e Um Corpo Que Cai (Vertigo, no título original) foi para o topo, seguido de Cidadão Kane. Potemkin – os puristas dizem “Po-ti-ôn-kin” – foi banido de entre os dez mais. Outras pesquisas, na França, o país dos cinéfilos, levaram à consagração de O Mensageiro do Diabo, único filme dirigido pelo ator Charles Laughton.

Um Corpo Que Cai

(Vertigo. EUA, 1958). Direção de Alfred Hitchcock. Com James Stewart, Kim Novak e Barbara Bel Geddes. Um detetive que sofre de vertigem aceita a tarefa de investigar a esposa de um colega. Suspense. 129min.

Classificação indicativa: 14 anos.

Sábado (18)

CINEMARK BARIGUI 7 às 22h50.

CINEMARK MUELLER 5 às 23h.

Domingo (19)

CINEMARK BARIGUI 4 às 12h10.

CINEMARK MUELLER 2 às 11h50.

Terça-feira (21)

CINEMARK BARIGUI 4 às 18h20.

CINEMARK MUELLER 2 às 19h30.

Nos Top 100 de Cahiers du Cinéma, O Mensageiro ficou em segundo, seguindo-se a Kane, e Potemkin de novo não teve lugar entre os dez mais. Chamados a escolher, os internautas colocaram no topo o clássico de Laughton, que Jean Tulard define no Dicionário de Cinema como “joia pura realçada por um brilho maléfico”.

Um Corpo Que Cai é a imperdível atração da vez nos clássicos restaurados da rede Cinemark. Passa neste fim de semana, no sábado e domingo, com direito a outra apresentação na terça-feira que vem (confira no Guia). Mestre do suspense, Hitchcock talvez nunca tenha sido mais refinado nem sinuoso como nessa história de vertigem e desejo, que trata da vertigem do desejo. James Stewart faz o policial, Scottie, que logo no começo encara o abismo e passa a ter um medo mortal das alturas.

Encostado, ele é contratado para seguir uma mulher que apresenta um comportamento estranho. Madeleine (Kim Novak) move-se num mundo que parece em câmera lenta, em outro tempo. Visita um museu e perde-se olhando um quadro. Entra num parque de sequoias e parece estabelecer uma espécie de comunhão com as árvores mais antigas que se têm conhecimento no mundo. Scottie deixa-se envolver pelo mistério da mulher. Não consegue evitar seu suicídio.

Atormentado, ele vaga pelas ruas e encontra, de novo, Kim Novak, mas agora ela se chama Judy. No corpo de Judy, Scottie opera uma transformação e traz, de entre os mortos, Madeleine. Chama-se assim, D’Entre les Morts, o livro da dupla Boileau-Narcejac em que Hitchcock se baseou para conceber esse poema necrófilo. A definição era dele. Ao discípulo François Truffaut, na entrevista que lhe deu – e resultou num livro famoso –, Hitchcock diz que Scottie, no fundo, quer fazer amor com uma morta.

A ligação de Scottie com Judy leva-o a descobrir que sua vertigem fez dele um joguete, uma peça num plano macabro de assassinato, exatamente como outro personagem de James Stewart em clássico de Hitchcock – Janela Indiscreta, anos antes – usara a lente da máquina fotográfica para descobrir um crime cometido no prédio em frente. A nova descoberta vai precipitar uma tragédia. Scottie vai se curar da vertigem, mas o que perde no processo é doloroso para ele.

Bem antes da atual consagração, Um Corpo Que Cai já seduzira os críticos, mas não o público. O próprio mestre do suspense nutria um sentimento ambíguo pelo filme. Ele refreia o entusiasmo de Truffaut pelas qualidades do filme, mas disseca com prazer suas inovações técnicas e estéticas. O fracasso de público o incomodava. Na sequência, fez Intriga Internacional, com Cary Grant, que arrebentou na bilheteria. E, depois, mudando o tom, Psicose, seu maior sucesso (de público), além da importância de haver proposto aquela cena de assassinato na ducha.

Na França, os críticos dizem que Um Corpo Que Cai anuncia Alain Resnais. O jogo de tempo, Madeleine/passado/Judy/presente, prepara Hiroshima, meu Amor, que surgiu em 1959 (Vertigo é de 1958). E a cena da missão religiosa, quando Scottie, correndo atrás de Madeleine, entra na torre e, na escadaria, tem a vertigem, até hoje é motivo de admiração. Hitchcock filma o labirinto da escada, à maneira de Escher, combinando travelling com movimento de lente.

Claude Chabrol (Uma Mulher Casada), Arthur Penn (Deixem-nos Viver), Wim Wenders – todos o imitaram. É tempo de rever Um Corpo Que Cai e renovar o fascínio do melhor filme de todos os tempos. E o filme ainda tem a partitura romântica de Bernard Herrmann. E Kim Novak, em seu maior momento na tela. É interessante destacar que ela caiu meio de paraquedas no projeto, substituindo Vera Miles, que ficou grávida no comecinho da produção.

Kim é genial, e nem parece que aquele figurino, que fica perfeito nela, foi criado para outra. Na tela, vale repetir, ela brilha. Nos bastidores, o diretor e a atriz brigavam feito cão e gato. Kim queria interpretar, Hitchcock lhe pedia para não fazer nada. Sua câmera faria tudo. Foi por causa delas que Hitchcock fez uma declaração polêmica, comparando atores a gado. Dizia que ator não devia pensar, quem pensava era ele. Pode parecer exagerado, mas deu certo em muitas obras-primas.

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