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“Zodíaco”, o primeiro filme da lista | Divulgação/
“Zodíaco”, o primeiro filme da lista| Foto: Divulgação/

Alguns meses atrás, a BBC – inspirada por uma enquete que sugeria que os roteiristas não andam dando muito valor aos filmes lançados depois do ano 2000 – procurou algumas centenas de críticos para ver quais eles achavam que eram os melhores filmes que saíram até agora no (ainda) relativamente novo século.

Eu não sou muito de fazer listas, já que o meu trabalho costuma se preocupar menos se um filme, programa de TV ou livro é bom ou ruim, e mais com o que ele diz e o porquê de reagirmos a ele desse ou daquele jeito. No entanto, meu nome estava entre o dos críticos que escolheram participar. Na pior das hipóteses, a minha participação era um bom jeito de esclarecer, pelo menos para mim mesma, quais as minhas próprias preferências críticas.

E agora que os resultados da enquete da BBC foram divulgadas ao público (confira os 10 melhores escolhidos na votação), eu achei por bem que valia a pena repassar para vocês a minha lista, como uma oportunidade de explicar a todos as minhas preferências.

Então, já com o aviso de que, dependendo do dia, a ordem desses filmes pode variar, segue a lista que mandei para a BBC e o motivo pelo qual cada filme entrou na lista:

1. Zodíaco (David Fincher, 2007)

Eu tenho uma tendência em particular de ficar impressionada com filmes que conseguem fazer bem feitas várias coisas diferentes de uma só vez, e “Zodíaco” é um prato cheio para isso. A visão de Fincher para a busca pelo serial killer Zodíaco faz um trabalho igualmente assombroso de colocar suspense tanto na luz quanto na sombra. Ele captura as frustrações distintas de policiais e jornalistas em sua tentativa de desvendar o caso, e lida com um elenco amplo, porém excelente de cabo a rabo (e aqui, como um pequeno detalhe, é divertido também ver Robert Downey Jr. e Mark Ruffalo se enfrentando sem ser como Tony Stark e Bruce Banner). Fincher nos mostra como as lendas sobre o caso foram se acumulando ao longo dos anos, e o que significa para Dave Toschi (Ruffalo), o inspetor que inspirou tanto o filme “Bullitt” quanto “Perseguidor Implacável”, ter que carregar o fardo dessa lenda. As cenas dos assassinatos nos dão uma noção do egocentrismo do assassino, mas nunca perdem seu enfoque moral, que é dado às vítimas. A música do filme é perfeita para o período em que a história se passa e para as cenas, mas sem ser óbvia. E, minha nossa, que fotografia fantástica a do “Zodíaco” – um filme sobre bilhetes cifrados escritos a mão, homens cada vez mais sujos e a tristeza duradoura de assassinatos sem solução. Eu não iria tão longe a ponto de afirmar que existe um filme específico que tenha me transformado numa crítica de cinema, mas “Zodíaco” fica no topo da lista de coisas que me fizeram ter a sensação de que eu precisava falar sobre elas com mais alguém.

2. O Tigre e o Dragão (Ang Lee, 2000)

Gosto de mencionar com alguma frequência que eu cresci sem ter muito contato com a cultura popular sem ser através de livros. “O Tigre e o Dragão” foi um dos primeiros filmes que vi num cinema que eu compreendi na hora que era diferente dos filmes de ação que eu estava começando a ver direto com uns amigos do ensino médio. A dose precisamente calibrada de emoção em todas as cenas, as sequências de luta centradas nos personagens e a ideia de que os problemas de algumas pessoas sem muita importância são tensão o suficiente para tocar o filme adiante estão profundamente arraigadas no meu DNA como crítica.

3. A Hora Mais Escura (Kathryn Bigelow, 2012)

A versão de Bigelow da caçada atrás de Osama bin Laden, narrada sobretudo pelas experiências de uma agente da CIA, ao mesmo tempo áspera e desgastada, chamada Maya (Jessica Chastain), marca um momento significativo em minha evolução como crítica. Ter testemunhado a polêmica de se a “A Hora Mais Escura” era pró ou contra tortura me fez sentir o quanto eram profundamente equivocadas as tentativas de enquadrar a obra numa posição partidária preexistente. “A Hora Mais Escura” é um filme lindo e atordoante, cujo objetivo é esvaziar todo sentimento de realização ou finalização que qualquer um possa ter tido com as notícias da morte de bin Laden. Ele faz aquilo que as políticas partidárias não conseguem. E a filmagem e atuação são impecáveis. “A Hora Mais Escura” me ajudou a fugir da ideia de que a arte deve ser politicamente obediente e a compreender que a arte faz seu melhor trabalho político quando expande os limites do diálogo.

4. A Viagem de Chihiro (Hayao Miyazaki, 2001)

Assim como “O Tigre e o Dragão”, “A Viagem de Chihiro” é um filme que enfia a mão no meu peito e aperta o meu coração com força. Não são necessárias explosões ou o fim do mundo iminente para termos a sensação, absolutamente monumental, de que há muita coisa em jogo. Como sempre, a estranheza do mundo de Miyazaki dá uma sensação de abrangência e de ter sido considerado com atenção. A sequência da viagem de trem é um exemplo maravilhoso de como suas criações fantásticas servem a verdades emocionais que podem ser mais mundanas do que os cenários nos quais são encenadas, mas não são menos poderosas por isso. “A Viagem de Chihiro” é também uma fantasia sobre o ponto de virada entre a irresponsabilidade infantil e os momentos em que você se torna uma pessoa independente, responsável por si mesma e pelos outros. Esse é um tema recorrente nesta lista.

5. 2046 – Os Segredos do Amor (Wong Kar-Wai, 2004)

Admito que esta é uma opinião meio do contra. A maioria dos meus pares, dentre a obra de Wong Kar-Wai, preferiram o seu “Amor à Flor da Pele”, e eu entendo completamente essa escolha. Mas, se tem um filme que me ensinou o poder de uma imagem composta com perfeição, este filme é “2046”, que vai e volta entre mundos e linhas temporais, mas de novo e de novo se vê voltando para imagens deslumbrantes de mulheres. Por natureza, eu costumo ser atraída primeiro pelos diálogos, sejam frases que já são marcantes por si só no papel ou que se tornam marcantes pela atuação memorável. Mas “2046” é um desses poucos filmes que foram capazes de me libertar por completo da minha orientação pelas palavras e me levar a me perder nas suas imagens.

6. Moonrise Kingdom (Wes Anderson, 2012)

Filmes que dão conta de várias tarefas diferentes ao mesmo tempo? Confere. Filmes que combinam a melancolia dos adultos e o ponto de inflexão entre a infância e a idade adulta? Confere. Filmes que têm paletas de cor pensadas com cuidado e escolhas musicais fantasticamente adequadas? Por favor, né, é o mínimo para um filme do Wes Anderson. O que mais dá para esperar? “Moonrise Kingdom” também conta com o que é talvez a minha performance favorita de todas de Bruce Willis. Muitos outros filmes de Anderson ainda poderiam ocupar essa vaga na minha lista, mas é provável que ter escolhido “Moonrise Kingdom” seja o que mais diz coisas sobre mim.

7. Indomável Sonhadora (Benh Zeitlin, 2012)

Essa é uma das minhas escolhas mais estranhas desta lista (as outras duas sendo “Temporário 12” e “Monster”, que discutirei daqui a pouco). Mas é que eu simplesmente me apaixonei por completo com o tratamento de Zeitlin, no estilo de realismo mágico, para as consequências do furacão Katrina, quando assisti ao filme no festival de Sundance. Como vocês podem ter adivinhado a esta altura, eu tenho todo um afeto em particular por histórias que usam o fantástico para nos fazer levar a sério as nossas emoções cotidianas, seja nas sequências de wuxia em “O Tigre e o Dragão”, seja na natureza elegante de “Moonrise Kingdom”, seja na casa de banho monstruosa de “A Viagem de Chihiro”. Foi um prazer assistir a Quvenzhané Wallis, uma atriz iniciante, pegando o papel de Hushpuppy e enchendo a personagem de alegria e sem qualquer desconforto consigo mesma. Eu quero desesperadamente ver o que Zeitlin e Wallis vão fazer no futuro.

8. Boyhood: Da Infância à Juventude (Richard Linklater, 2014)

Queria ter um pouco mais de distância de “Boyhood” para poder decidir o quanto eu admiro o experimento de Linklater – que foi gravando o filme por alguns dias por ano conforme o seu astro, Ellar Coltrane, foi crescendo – versus o quanto admiro o resultado real. E, para ser honesta, talvez precisasse me distanciar um pouco da experiência que foi ter visto o meu irmão muito mais novo crescer também. Mas suspeito que, mesmo que eu acabasse no fim descendo um pouco mais a posição de “Boyhood” na lista, as performances de Patricia Arquette e Ethan Hawke como os pais que crescem junto com seu filho e se tornam o tipo de casal que continuaria junto se tivesse se conhecido 18 anos atrás, eu ainda assim teria muita estima por esse filme. É provavelmente o único na minha lista que mereceu o seu lugar só pela pura virtude da atuação, tamanho o trabalho desses dois.

9. Temporário 12 (Destin Daniel Cretton, 2013)

Há alguns atores que sinto ter percebido seu potencial antes de Hollywood pegá-los para si, dentre eles Dwayne Johnson, Channing Tatum e Brie Larson. E, apesar de Larson desde então ter ganhado um Oscar pelo seu trabalho em “O Quarto de Jack” e poder muito bem ganhar outro no futuro por “The Glass Castle”, ao mesmo tempo em que coloca um papel como super-heroína no currículo, eu meio que acho que ela deveria ter ganhado um também por “Temporário 12”. Esse filme, em que ela faz o papel de uma terapeuta num abrigo para menores transtornados, tem o tipo de diálogo, calibrado com precisão, que poderia ter saído pela culatra e ficado artificial demais se tivessem escolhido os atores errados. Mas Cretton não errou uma única escolha de elenco, todo ele digno de nota, e conseguiu um trabalho maravilhoso com cada um dos atores. No meio de um monte de histórias mais espalhafatosas sobre como conviver com uma experiência traumática, “Temporário 12” é um dos melhores filmes que já vi sobre todos os modos pelos quais é possível ser sobrevivente de um trauma.

10. Monster: Desejo Assassino (Patty Jenkins, 2003)

Provavelmente a escolha mais estranha na minha lista. Mas Jenkins faz em “Monster” o que Joel Fields e Joe Weisberg vêm fazendo na série “The Americans”, no tocante à sua qualidade e malabarismo moral. Ela pegou Aileen Wuornos (Charlize Theron), uma mulher pobre, não muito atraente, que havia sobrevivido a abusos terríveis e era trabalhadora do sexo, e fez dela a heroína romântica do filme. Depois, ela vai nos afastando de suas ilusões e desculpas para si mesma para revelar a serial killer que Aileen foi de fato. Christina Ricci está fantástica como a namorada dela, Selby, que encarna a perspectiva do público, comunicando, ao mesmo tempo, os esforços de Aileen e o horror ético ao que ela faz e ao que ela se torna. Como bônus, “Monster” é o único filme que conseguiu transmitir um sentimento de revelação genuína ao som de “Don’t Stop Believin”, do Journey, depois de todos esses anos da influência da versão de “Glee”.

Lista da BBC: os 10 melhores filmes do século 21

1. Cidade dos Sonhos (David Lynch, 2001)

2. Amor à Flor da Pele (Wong Kar-wai, 2000)

3. Sangue Negro (Paul Thomas Anderson, 2007)

4. A Viagem de Chihiro (Hayao Miyazaki, 2001)

5. Boyhood (Richard Linklater, 2014)

6. Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (Michel Gondry, 2004)

7. A Árvore da Vida (Terrence Malick, 2011)

8. Yi Yi (Edward Yang, 2000)

9. A Separação (Asghar Farhdi, 2011)

10. Onde os Fracos Não Têm Vez (Joel e Ethan Coen, 2007)

Veja a lista completa no site da BBC.

Tradução: Adriano Scandolara
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