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‘Tô Ryca’: roteiro capenga, atuações caricatas e piadas manjadas, muitas delas apoiadas em estereótipos e situações repetitivas | Hans Georg/Divulgação
‘Tô Ryca’: roteiro capenga, atuações caricatas e piadas manjadas, muitas delas apoiadas em estereótipos e situações repetitivas| Foto: Hans Georg/Divulgação

“Tô Ryca” é seguramente um dos piores filmes brasileiros de 2016. A comédia do diretor estreante Pedro Antonio tem todos os defeitos necessários para afugentar os fãs de cinema: roteiro capenga, atuações caricatas e piadas manjadas, muitas delas apoiadas em estereótipos e situações repetitivas. Por ironia, esses parecem ser justamente os predicados que fazem o filme ser forte candidato a uma das maiores bilheterias nacionais do ano.

Basta observar as estatísticas. As três produções brasileiras com maior público em 2015 foram comédias com linguagem próxima da televisiva. “Loucas Para Casar”, estrelada por Ingrid Guimarães e Tatá Werneck, fez 3,7 milhões de espectadores, seguida por “Vai que Cola”, derivado do programa humorístico comandado por Paulo Gustavo, com 3,3 milhões. Para efeito de comparação, “Que Horas Ela Volta?”, de Anna Muylaert, ovacionado pela crítica e premiado internacionalmente, não chegou a 500 mil espectadores.

Estreando esta semana nos cinemas, “Tô Ryca” tem como protagonistas Samantha Schmütz e Katiuscia Canoro, que ganharam fama em quadros do humorístico “Zorra Total” (recentemente reformulado e que agora se chama apenas “Zorra). Com os mesmos trejeitos exagerados, Samantha interpreta Selminha, uma frentista que descobre ser a herdeira de um tio milionário. Para ficar com a fortuna, ela precisa gastar R$ 30 milhões em 30 dias, sem acumular nada. Segue-se uma sucessão de esquetes de humor rasteiro, típicas do programa que consagrou as atrizes.

A estreiteza dramatúrgica, no sentido da temática, acaba virando modelo do cinema comercial

Joel Zitocineasta

Para o sociólogo Cleber Fernando Gomes, que tem se dedicado a estudar o sucesso das comédias no cinema brasileiro, a proximidade com a linguagem televisiva é um indicativo da falta de criatividade do gênero. E cita o desempenho da dupla Ingrid Guimarães e Leandro Hassum. “Ambos são reconhecidos por dominar as bilheterias nacionais com filmes de comédias se sobressaindo sempre com as mesmas características de interpretação cômica já feitas na televisão e que, consequentemente, vão repeti-las no cinema”, diz.

A análise é endossada pelo cineasta Joel Zito, diretor de documentários que abordam principalmente a temática racial. Para ele, o sucesso das comédias derivadas da TV é resultado também da acomodação do público. “Infelizmente, a telenovela brasileira formou um tipo de público no cinema com um único gosto. A estreiteza dramatúrgica, no sentido da temática, acaba virando modelo do cinema comercial”, avalia.

Cinema popular? Nem tanto

Em 2013, o crítico Jean-Claude Bernardet causou furor ao defender “De Pernas pro Ar 2”, argumentando que a comédia tratava de “problemas que angustiam boa parte da classe média” e que se “não abordasse comicamente questões do seu interesse, o público não teria sido tão numeroso”. Uma das respostas partiu do cineasta Raul Arthuso, para quem esse tipo de filme representava nada mais que o “projeto nascido com o destino de ser grande e batizado para o sucesso com todas as armas aprendidas com a indústria americana de cinema”.

No caso de “Tô Ryca”, o filme ainda se empenha em fazer uma crítica política, por meio do personagem de Marcelo Adnet, que interpreta um candidato conservador e preconceituoso. É uma das poucas coisas que funcionam na comédia. De resto, tenta fazer graça a partir do estereótipo de pessoas de baixa renda e que vivem na periferia das grandes cidades.

Para Cleber Fernando Gomes, não faz muito sentido associar o sucesso desses filmes com uma suposta identificação com questões sociais. “Quem consegue frequentar os cinemas de shopping no Brasil é exatamente a elite brasileira, que tem dinheiro para pagar preços altíssimos por um ingresso. As classes média e baixa, que são a maioria da população brasileira, consomem cinema através do comercio ilegal e redes virtuais, e não entram nas estatísticas oficiais das bilheterias”, observa.

As maiores bilheterias do cinema nacional (em número de espectadores)

2016*

Os Dez Mandamentos – 11,3 milhões

Carrossel 2 – 2,5 milhões

Um Suburbano Sortudo – 1 milhão

*até 31 de agosto

2015

Loucas para Casar – 3,7 milhões

Vai que Cola – 3,3 milhões

Meu Passado me Condena 2 - 2,6 milhões

2014

O Candidato Honesto – 2,2 milhões

Os Caras de Pau em O Misterioso Roubo do Anel – 1,8 milhão

Os Homens são de Marte... e é pra Lá que eu Vou – 1,7 milhão

2013

Até que a Sorte nos Separe 2 – 3,9 milhões

Meu Passado me Condena – 3,1 milhões

Crô – O Filme – 1,7 milhão

2012

Até que a Sorte nos Separe – 3,4 milhões

E Aí, Comeu? – 2,5 milhões

Os Penetras – 2,5 milhões

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