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 | Ricardo Humberto/Especial para a Gazeta do Povo
| Foto: Ricardo Humberto/Especial para a Gazeta do Povo

É o que a gente tem.

Essa vida aqui é o que a gente tem. E o que a gente pode esperar é que a vida seja inteira. E se não for inteira em tempo, se for pequena, que seja cheia, que seja inteira por intensa. Que seja de verdade.

Que a gente aprenda, ensine, sofra (sim), mas ame. Que a gente possa dar amor. A Dora teve uma vida inteira. Uma vida plena. Em pouco tempo.

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Rápido, bem rápido, ela teve que crescer de jeitos e em velocidades que a maioria de nós mal vai conseguir imaginar. Pequena, menorzinha que todo mundo, ela teve que ficar gigante em questão de semanas, em questão de dias, pra poder dar conta do que essa mesma vida tinha jogado ali na mesa diante dela. Teve que aprender a contornar, a superar, a resistir. Imediatamente o dia-a-dia dela exigiu de uma menina daquele tamanho coisas que eu, imbecil, grande imbecil, nunca vou poder entender.

Sofrimento, dor, ela teve. E faz parte. Tem que fazer parte. Pra uma vida ser de verdade, ela tem que doer. Tem que deixar cicatrizes. Desde que ela recebeu o diagnóstico de osteogênese imperfeita, nós, em volta dela, em torno dos pais dela, soubemos que ela ia ter que conviver com a dor. E com o fato até de que a dor, pra ela, podia ser diferente da nossa. E que teriam que conviver, eles, os pais, com a ideia de uma filha que podia sofrer fraturas constantes e nem mesmo dar por isso, às vezes. Que eles teriam que ficar atentos, o tempo todo, a dores e machucados que ela podia nem registrar de início. Que teriam que cuidar dela mais do que ela seria capaz de cuidar de si própria.

Ou seja, que teriam que ser mais, como quaisquer outros mais.

Só que mais. E bem mais rápido. E desde cedo a Dora começou, então, a ensinar coisas pra gente. Não posso nem querer supor que eu seria capaz de sondar o tamanho do aprendizado dos pais e da irmã dela. Eu, aqui, do meu longe que se quer um pouco mais perto…

Mas mesmo eu, mesmo nós aqui em casa já aprendemos demais com ela.

Como lidar com a diferença. Com a ideia da diferença. Como pensar o lado prático de ter que preparar uma casa pra um bebê que precisa de muito mais segurança e proteção que os outros.

Como lembrar que esse bebê não é um bebê como os outros. Como lembrar que esse bebê é um bebê como os outros. Como lembrar que amor é de graça. Que o amor se põe, se expõe, se oferece. E é maior que as outras coisas todas.

Amor.

Seria a outra coisa da tal vida cheia.E amor a Dora teve. Teve os dois pais mais preparados pra uma coisa pra qual ninguém há de estar preparado. E preparados apenas porque são pessoas de coração imenso. “Apenas”…

Amor a Dora recebeu. Da família dos pais. Da irmã, que igualmente nova teve que aprender tanto e lidar com tanta coisa. De todas as pessoas pra quem os pais dela são pessoas pra lá de especiais. Únicas mesmo.(O aluno mais brilhante que eu já tive, o pai dela.)

E amor (e isso talvez seja o mais definitivo) a Dora deu. Do jeito químico, tátil, animal, primal, básico e insuperável que têm as crianças pequenas de dar amor. Pela presença. Pelo cheiro.

Por aquela cabeleira e aqueles olhos imensos e atentos. Ela deu amor pra dezenas, pra um grupo que agora pode levar, dela, esse presente pro mundo. Dora é um presente. Ou vários. O tio dela, tio de coração, gosta de lembrar um verso de um poema que diz que o que você ama bem permanece.

A Dora pode ter ido embora. Mas eles, Rodrigo, Gabi, Olivia, vão estar mais aqui. Vão permanecer mais com a gente. Maiores pelas coisas que aprenderam com uma pessoa enorme que nunca ia crescer direito. Mais fundos, melhores, mais ocos e mais sólidos. Isso porque a Dora veio, passou, e teve, e deixou, uma vida plena. Total. E há de ser ela a nos ensinar que não há o que lamentar.

Que ela teve uma vida toda. Uma vez, logo antes de ela nascer, eu disse pro pai dela que a Dora tinha super-poderes. E tinha.

Teve que ter, pra colocar uma vida inteirinha, e das grandes, dentro de menos de dois meses aqui. Todo mundo aqui te agradece, Super Dora.

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