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 | Ricardo Humberto/Especial para a Gazeta do Povo
| Foto: Ricardo Humberto/Especial para a Gazeta do Povo

Voltaire, no fim do “Cândido”, que é uma sátira impiedosa contra a ideia de que nós estamos, pela graça divina, no “melhor dos mundos possíveis”, sublinha a ideia (é a última frase do livro) de que “é preciso cuidar do nosso jardim”.

Em termos políticos, isso pode reverter num tipo bem especial de solipsismo que é acima de tudo bobo. Pois de nada adianta eu cuidar do meu jardim se o bairro em que eu moro virar uma cracolândia infecta, que vai acabar vazando e cobrindo a minha grama.

Por outro lado, há uma inegável beleza na vontade férrea de apagar repetidamente as pichações no muro de casa, na disposição (como a da minha mulher) de sair catando embalagens plásticas jogadas na rua pra evitar que elas acabem no esgoto pluvial.

Pra quem conhece aquela “teoria da janela quebrada”, que diz que a “tolerância zero” pode ser um dos maiores caminhos pra manter um ambiente, digamos, puro, isso faz muito sentido.

Eu sou muito fraco de política.

E o “meu jardim” tende a se restringir às 3-4 pessoas que me interessam. Eu sou um mau exemplo.

Mas mesmo eu, mesmo bobo, quando olhei aqui pela janela da minha casa no domingo passado, durante as manifestações (a favor de tudo de bom nesse mundo) que ocorriam a centenas de metros daqui, não pude deixar de me ver meio pasmado.

O que eu vi foram carros.

As pessoas que vieram para a manifestação não queriam andar muito pra chegar lá. Impeachment, beleza. Mas de carro, que isso aqui é Curitiba, a capital do automóvel.

E as vagas de estacionamento foram acabando. E aí o que é que você, consciente defensor dos “valores”, da “cidadania”, da “legalidade”, do “respeito às instituições” decide fazer?

Estacionar em cima da calçada e do gramado da minha casa. Em cima da calçada e do gramado dos outros. Da cidade. Dos cidadãos.

Ali, onde é proibido (claro!) estacionar. Ali, onde além de tudo faz sentido você nem pensar em estacionar: calçadas afundam e grama morre mesmo sem leis.

É o mesmo “jeitinho” de sempre. É a mesma lei da exceção que exclama “mas aí é diferente” quando você aponta a infração e, por que não, a “corrupção” do lado de quem reclama. Pois quem desses motoristas ia se negar a oferecer uma “caixinha” a um hipotético guarda de trânsito?

E, como bem provam os empreiteiros acusados na Lava-Jato (Eu Apoio!), corruptor é tão corrupto quanto corrompido.

Ou é só no caso do Marcelo Odebrecht? E no nosso, ora, “aí é diferente”?

E que tal cuidar do seu jardim e, acima de tudo, não ferrar com o meu?

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