• Carregando...
 | Ricardo Humberto/Especial para a Gazeta do Povo
| Foto: Ricardo Humberto/Especial para a Gazeta do Povo

Pode procurar. Tá lá no Youtube. Se você digitar “ugliest music” vai achar. Pode pular a palestra, vai pro finzinho pra ouvir.

A coisa toda é uma apresentação de um sujeito que estava tentando conceber o “ping” ideal pra um sistema de sonar. Se você leu, por exemplo o velho Richard Dawkins em “O Relojoeiro Cego”, tentando explicar como funciona a ecolocalização dos morcegos, você entende o problema.

Veja também

Mas, pulando uma parte então, o negócio é que o ping ideal de sonar é um som que não tenha qualquer simetria. Um som em que as relações entre as notas nunca sejam previsíveis, ou repetidas.

Até aí beleza.

Só que a partir daí, o cara do vídeo parte pra essa ideia de compor a música mais feia do mundo, usando os mesmos princípios. Ou seja: ele vai criar matematicamente uma peça (uma melodia, tecnicamente) de 88 notas, pra usar todas as teclas de um piano, em que nunca se possa prever a relação entre uma nota e a seguinte, em que não haja qualquer padrão perceptível, qualquer repetição.

Ouve lá a peça pra ver.

Pra começo de conversa, não dá pra desconsiderar que o camarada pode ser muito bom de matemática, mas não parece entender muito de música.

Primeiro porque tem muito mais na música, em termos de padrões possíveis, do que as notas, as alturas melódicas. Tem tempo, tem dinâmica (forte-fraco), tem andamento… enfim.

Segundo, porque ele esquece que as 88 teclas do piano são todas diferentes pra um leigo, mas são umas mais diferentes que as outras, digamos assim, pros músicos.

Oito delas, por exemplo, são um LÁ. Oito LÁS..

(E isso não é invenção de músico. Tem uma relação física bem sólida pra especificar isso. Coisa de comprimento de onda e tal…)

Mais ainda, ao todo 30 dessas 88 notas podem ser consideradas parte de algum acorde de Lá, maior ou menor.

E isso hierarquiza as tais “diferenças”…. e os músicos podem muito bem ouvir padrões na pretensa desorganização total da matemática.

Mais tem uma coisa ainda mais importante.

Ele parte do princípio (e nem questiona esse princípio) de que a repetição é um elemento-chave pra o que a gente chama de “beleza” na música.

E é.

Mas não é tão simples assim.

A repetição absoluta, monótona, por exemplo, tende a ser rejeitada.

A repetição com variação, essa sim é chave pra tudo. Ou quase.

Imagine, por exemplo, um relógio.

Tique. Taque. Tique. Taque. etc…

Isso é padrão. É repetição. Mas normalmente não vai ser considerado música.

Agora imagine um som como aquele, igualzinho, mas em que, depois de uns 8 tiques e taques, o “taque” comece a aparecer, por exemplo, gago. Tique. Tataque.

Só de vez em quando.

E depois disso, imagine que vez por outra ele venha cortado. Tique. …que.

E imagine que eu comece a variar essas novas formas de taque, ora uma, ora outra, de um jeito meio imprevisível.

Pronto. Criei variação. Criei novidade. Criei surpresa.

Criei interesse musical.

Mais ainda, eu criei foi expectativa. Você agora vai ficar sentado na ponta da cadeira tentando sacar se existe uma lógica pra presença dos tataques e dos …ques.

(Ok, isso se você for dessa tribo, né?)

Se eu for gradualmente aumentando a sofisticação do meu relógio baterista, eu posso chegar a uma situação em que o meu repertório de novidades (tititique, taracuntaque, silêncio, titaque…) já é tão grande, e tão presente, que o padrão de base, o tique-taque d’antanho, seja só uma lembrança distante.

Só uma foto na parede…

Isso, meus amigos, é por exemplo o jazz do período do be-bop, onde a bateria era pura variação sobre um “pulso” praticamente ausente.

E há beleza nisso?

Supondo que eu conseguisse criar uma “batida” cem por cento imprevisível e “sem repetição”.. será que você não ia continuar sentado na ponta da cadeira, fascinado, tentando entender?

Porque o que o nosso amigo do ping subestima é a curiosidade do macaquinho sapiens.

O nosso tesão nem sempre é encontrar padrões.

O nosso tesão é cismar que eles devem estar lá.

A gente curte é procurar.

(Eu achei beeeeem bonitinha a tal música mais feia do mundo.)

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]