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 | Ricardo Humberto/
| Foto: Ricardo Humberto/

O velho Montaigne, sempre ele, é possivelmente o maior dos antídotos pra nossa tendência de achar que ser capaz de criar uma história coerente pra alguma coisa que aconteceu é o equivalente de “explicar” essa coisa.

Tipo, ah, isso aconteceu porque aquilo tinha acontecido, o que levou àquilo outro etc, etc, etc… A gente, nas ciências humanas, frequentemente corre esse risco. E não vou nem falar das nossas conversas de bar e de Facebook.

Mas o que é que tem, Caetano?

O que tem é que nós somos bichinhos narrativos. O nosso mundo só funciona (e só faz sentido na nossa cabeça) se estiver organizado nos termos de uma historinha, de uma sequência de fatos concatenados. Tudo bem. O problema é que a realidade tende a ser bem mais complicada, aleatória, bagunçada e felpuda do que isso. Fuzzy, pra usar o termo chique dos lógicos. Borradinha…

E a gente não se conforma, e tende a olhar pras coisas e achar que entendeu uma sequência de causas, quando na verdade o que viu foi só uma sequência de coisas. Talvez sem qualquer relação causal. Tem até um nome chique pra isso na filosofia clássica: se chama falácia post hoc, e vem da expressão latina post hoc, propter hoc. Ou seja: se aconteceu depois daquilo, foi por causa daquilo.

A gente é viciado em post hoc.

Teste. Veja com uma criancinha. Monte uma história em figurinhas, com coisas sem aparente relação, e veja como a partir de uma certa idade a criança tende a explicar as coisas em termo de C porque B porque A….

Tem um economista, Nassim Nicholas Taleb, que é ensandecidamente louco por mostrar o quanto a gente está errado nisso. Especialmente os próprios economistas, aliás!

Ele gosta de pensar o que aconteceria com cada historiador que até hoje explicou, digamos, a Revolução Francesa em termos de um encadeamento de causas e motivos, se a gente largasse o cabra em Paris no dia 13 de julho de 1789. Na véspera.

Porque se a tua explicação for mesmo uma Explicação, ela deveria ter poder preditivo. Se não, é só estória da carochinha, montada com essa coisa maravilhosa que é privilégio de falar de “causas” quando já se sabe o resultado.

Por que falar tudo isso agora?

Porque no dia seguinte à eleição de Trump a internet (de alto a baixo) já estava cheia de gente explicando porque estava na cara (a não ser 24 horas antes!) que a Clinton ia perder.

Porque daqui a quatro anos o mundo vai estar fervilhando de análises que mostram que obviamente o governo Trump levaria ao que levou.

Mas e agora?

Quem é que arrisca uma explicação? Quem prevê?

O reino do ódio e da violência? Um movimento ativista pacifista, que responda com amor ao ódio dos trumpistas?

Digam de lá.

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