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 | Osvalter Urbinati
| Foto: Osvalter Urbinati

–Às vezes você parece o Kurt.
– Que Kurt?
– Kurt Cobain, pô. Do Nirvana. Faria 48 anos na última sexta.
– Por que pareço o Kurt?
– Porque você é honesto, sei lá.
– O Kurt era honesto?
– O maior deles. Meu, ele nunca tentou driblar a pessoa que não era, saca. Jamais se escondeu do mundo ou perdeu a noção completamente como esses loucos de hoje em dia aí, que entram no Legislativo de camburão, pedem impeachment como se fosse um copo d’água e transmitem HIV de propósito. Kurt não se sujeitou a nada que não queria enquanto esteve vivo. Lembra o making of do MTV Unplugged que vimos aquele dia?
– Não.
– Durante “Pennyroyal Tea”, ele olha meio torto pro guitarrista convidado...
– ... o Pat.
– É. Na verdade, veja lá, tem no YouTube, ele ensaia com o cara, vê que a coisa fica lastimável e decide tocar a música sozinho no show, quando é pra valer. E não avisa ninguém.
– Então Kurt foi um baita dum cuzão.
– Não, pô. Ele poderia ter ficado quieto, de boa. Aceitar a diminuição de sua arte por alguém que não conseguiu se conectar a ela. Isso se fosse bunda mole como a gente é. Mas Kurt era, tipo, um eterno tsunami de presença de espírito, uma utopia ambulante em busca da perfeição artística, por mais que, de certa forma, tivesse asco pelo caminho que teve de trilhar para chegar até ela.
– Cara, ele se matou.
– Mas até isso faz sentido. Kurt Cobain foi alguém indobrável.
– Palavra bonita.
– Sério. Fez todas as coisas que quis, até o fim, até o fim mesmo. Sua morte é coerente.
– Foi um fim terrível.
– A morte não é terrível quando a vida é uma bosta.
– Ele falou isso?
– Não, pensei agora. Além do mais, sua existência foi sinônimo de ironia. Ele sempre teve desprezo pela fama, algo que é paradoxal se pensarmos na carreira do Nirvana. No fundo, no fundo, ele era um artista sensível pra cacete e não suportou a profundidade esmagadora de sua própria criação, mesmo que fosse libertária em algum sentido.
Meu, que viagem. Acho tudo isso muito complicado. Sei lá, até gosto de Nevermind, mas acho que é por isso que prefiro o Foo Fighters.
– Serião?
– Sim.
– Uma banda conformada com sua mediocridade, um expurgo do rock?
– Acho eles divertidos. E o Dave Grohl deve ser gente fina.
–A morte do Kurt é muito mais importante que toda a porra da carreira do Foo Fighters.
– Ah, pare.
– Tô falando. Dane-se se ele estourou os miolos com uma espingarda. O cara foi verdadeiro até o fim e não temeu nenhuma consequência.
– Isso pra você é honestidade?
– Sim. Ser fiel com você mesmo, ainda que o resultado seja catastrófico.
– E morrer? Isso é ser burro.
Céus, não dá mesmo pra discutir contigo.
– Só estou sendo honesto, hehe...
– Cervejinha?
– Bora.

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