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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Jesus, quando quis se despedir dos apóstolos, convidou para uma ceia, dizendo este pão é minha carne, este vinho é meu sangue, ou seja: disse que ia mas continuava, como de algum modo tudo continua.

O general MacArthur, quando teve de se retirar das Filipinas na Segunda Guerra, falou a famosa frase “Eu voltarei”, e voltou vitorioso dois anos depois. Foi a despedida até-logo.

Já Adolf Hitler, quando se matou num bunker em Berlim, nada falou de memorável, nada deixou escrito, apenas certificou-se de que sua companheira Eva Braun já estava morta e, enquanto as bombas estrondavam em redor, despediu-se da vida em silêncio,

Sócrates, porém, depois de tomar veneno conforme sua condenação à morte, primeiro mandou seus discípulos pararem com a choradeira em volta. Depois, lembrou a um deles que deviam um galo a um tal de Asclépio e era preciso pagar. E morreu. Sem se despedir, consciente de que continuaria na mente e nas palavras dos discípulos.

Enquanto o Titanic afundava, a orquestra tocava, na mais tocante das despedidas.

E Jackson do Pandeiro, quando Getúlio Vargas se matou, pegou sua carta-testamento e criou a música “Ele Disse”, lançada uma semana depois e vendendo fenomenais 100 mil discos na época: “Ele disse com toda a consciência/ o meu nome é uma remissão/ a todos que fizeram reação/ eu desejo um futuro cheio de glória/ deixo a vida para entrar na História/ e ao ódio eu respondo com perdão”. Chorei muito, menino ainda, mesmo sem entender nada de política, ouvindo essa despedida de um homem cuja morte fez todo mundo chorar.

Como chorei lendo sobre a despedida dos pilotos camicases, antes de tentarem enfiar seu aviãozinho todo depenado, mas cheio de bombas, na chaminé de algum navio inimigo. Primeiro, tiravam as botas, então artigo raro no Japão. Depois, tiravam o dólmã e o cinto das calças, e assim iam morrer, deixando tudo que pudessem. Sem palavras, só gestos; definitivos.

Minha avó Sebastiana, quando morreu, chamou “meus filhos...” com o último ar que lhe restava. Olhou um por um em pé ali em volta da cama, depois pousou o olhar sobre o único neto que conseguiu se enfiar entre eles, e sorriu, aí fechou os olhos. Logo depois, a chama que ela mantinha acesa num copo de azeite, também apagou.

No poente o sol se despede todo dia, ao mesmo tempo prometendo voltar amanhã, por isso também é tão bonito, como o pai que sai para o trabalho dizendo “tiao”, os filhos sabendo que vai voltar.

Creio que não será meu caso aqui neste espaço de crônicas, de onde me despeço com a alegria de ter sido lido por tantos que me enviaram seus e-mails, telefonaram ou ao vivo comentaram.

Espero que a Gazeta continue com seu jornalismo cidadão, tão importante para nossa democracia, e, se não posso dizer até outro dia, digo que foi muito bom enquanto durou. E, conforme a mais simples de todas as despedidas, fiquem com Deus. Como de algum modo tudo continua, ficarei feliz se tiverem saudade de mim. Fui. Feliz.

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