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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Para a argentina Mafalda, a criança com crise existencial criada por Quino, a sopa não passa de um pântano empratado. Ver um prato fumegante cheio de líquido a faz filosofar, aborrecida: “A sopa é para a infância o que o comunismo é para a democracia”. Pobrezinha.

O Quino nem para desenhar uma boa sopa para conquistar a menina. Porque, para ser democraticamente palatável, não basta jogar tudo na panela ou abrir uma lata importada de sopa pronta. Tem que saber como entrosar os vegetais, como um bom anfitrião faria em uma festa com pouco álcool.

Há ordem no preparo, apesar de o resultado ser uma bagunça. Há seleção rígida, mesmo que cenouras e batatas passadas sejam aceitas eventualmente.

A chef americana Alice Waters, que em 2007 recebeu o prêmio pelo conjunto da obra da publicação britânica “Restaurant”, confessa no livro “A Arte da Comida Simples” que não gostava de fazer sopas no início de sua carreira.

O motivo que apresenta é simples e sincero: porque não percebia que não sabia fazer. E aí não fazia. O que me faz pensar que os cozinheiros em geral compartilhem do mesmo sentimento e por isso se arrisquem pouco, considerando a sopa um preparo menor diante da possibilidade de fazer musselines burocráticas, que sempre serão boas coadjuvantes à mesa.

Talvez achem que juntar tudo numa panela tire a individualidade dos ingredientes; talvez vejam as sopas como uma panaceia que só merece a atenção do paladar falho dos constipados. Talvez, por achar doméstico demais, o único centro de mesa que releguem à sopa é o da mesa de casa.

São dois exercícios de criatividade inigualáveis: fazer caldo e fazer sopa.

O caldo permite tantas variações quanto a sua geladeira permitir, aconselha Alice. Coloco folhas de cenoura, de alho-poró, uma batata, cogumelos desidratados, ervas e especiarias. E para a sopa, não é necessário indicar uma receita e sim autoconhecimento: deve-se pensar em uma combinação que lhe agrade. Para mim, sopa de tomates.

Começo refogando cebolas salgadas no azeite e depois acrescento pedaços de batatas, rodelas de cenoura, dentes de alho bem picadinhos, folhas secas de curry. Mexo, abafo, desgrudo tudo do fundo da panela com um pinguinho de líquido. Tudo isto vai formar um caldinho escuro saborosíssimo.

Entram os tomates, cerca de oito deles grandes e maduros, cortados em pétalas. Fogo baixo, panela tampada até os vegetais desmaiarem. Caldo de legumes bem quente para tapar o conteúdo e terminar o cozimento das batatas.

Daí, dá pra servir pedaçuda ou triturar tudo. Azeite, pimenta, sal, manjericão fresco direto no prato. A receita completa está aqui. Nada de ready-made nesta panela, viu, Warhol?

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