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 | Miguel Nicolau/Especial para a Gazeta do Povo
| Foto: Miguel Nicolau/Especial para a Gazeta do Povo

Dizem que o velho Ibrahim Sued, no começo, tinha só dois ternos e três camisas para compor o personagem de playboy bronco que o transformou anos depois no jornalista mais bem pago do país. Acontece que este par de ternos recebia tratamento cuidadoso de tinturaria; na noite em que um vestia o “turco”, o outro era lavado e engomado. As poucas camisas eram mantidas com colarinhos impecáveis e imaculados. Barbeado como um cubano, Sued não fazia feio nas recepções no Copa, nos cassinos da Urca e Quitandinha e nos saraus de grã-finos.

Quando morei no Rio de Janeiro, dez anos atrás, procurei imitá-lo. É certo que os tempos eram outros – sem cassinos e saraus; e eu nunca entrei no velho Copa. Fui um período difícil que não vem ao caso agora, pois o que eu queria dizer é que no tocante aos colarinhos, ao menos, eu devia pouco ao falecido Sued.

Fruto de uma estratégia que desenvolvi aguardando a vez no banheiro coletivo que compartilhava com os vizinhos feios, sujos e lascados na pensão mais sórdida da Lapa. Comprei uma daquelas garrafas de água mineral de cinco litros do tamanho de um mini-bujão. Fiz um corte secional no começo da parte raiada e assim produzi um pequeno balde de aproximadamente 4 litros de capacidade, com o interior todo sulcado como o das tábuas de lavar roupa. Era ali que eu esfregava na água fria do chuveiro do fim do corredor as mangas e os colarinhos das minhas belas camisas floridas, e até de uma guaybera que eu comprei em Santiago de Cuba em outra encarnação.

O truque era utilizar dois produtos que estavam sempre em promoção numa venda casada proibida pelo Código do Consumidor. Dois tipos de sabão em pó, cada qual com uma função.

Depois colocava todas as camisas dentro de um saco de lixo e este dentro da mochila. Havia cabides no quarto e eu os pegava também, comprava o jornal na banca e duas latas de cerveja bem geladas. Todos estes eventos preparatórios custavam menos de 10 reais (mesmo valor da diária do quarto sem ventilador). O pulo do gato era pendurar os cabides com as camisas em galhos escolhidos a dedo nos sombreros plantados no aterro, ali bem perto da Marina da Glória. Antes de matar as duas latas e de chegar no último caderno do jornal, as roupas estavam secas e impecavelmente limpas e quaradas pelo sol do Rio. Dava os últimos goles de cerveja, divertido. Os figuras que moravam embaixo das árvores também achavam graça no ritual, as minhas roupas ali “dependuradas qual bandeiras agitadas, parecendo um estranho festival”.

Deixava algumas camisas no armário, vestia a guayabera rosa e saia de peito aberto, eu e a minha juventude indulgente, pelo velho Rio. Minha ronda acabava geralmente na região da Cinelândia. Ficava ali, perto do teatro Rival, vendo os caras mostrarem seus sambas no bar Carlitos na esperança de que o Zeca Pagodinho incluísse algum em seu próximo disco. Eu ficava por ali, meio de bobeira, meio sem ter para onde ir. Havia, no entanto, algo de esperança e altivez na minha postura, pois como Ibrahim do Sul eu tinha sempre o colarinho mais limpo da praça.

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