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Exibo todos os anos o filme O Poder Vai Dançar (The Cradle Will Rock, com direção de Tim Robbins, produzido em 1996) para meus alunos.

Misturando realidade e ficção na Nova York de 1936, a obra parece um filme de Robert Altman com diversos núcleos de histórias repletos de atores sensacionais.

Em cada uma das narrativas, Robbins explora a difícil relação entre o poder e o artista. Ora pelo conflito de Orson Welles em encenar um musical que questiona valores políticos, ora pela curiosa encomenda que o magnata Rockefeller faz ao comunista Diego Rivera, ora pela figura da marchand judia (interpretada por Susan Sarandon) que vai a Nova York a mando de Mussolini para vender obras renascentistas a fim de financiar a guerra. Um filme pouco conhecido, mas muito legal. Vá conferir depois de ler este texto.

Embora não seja dita explicitamente no filme, há uma frase na capa do DVD que é usada como slogan: “A arte nunca é perigosa. Só quando fala a verdade”. Uma obra só pode se caracterizar como verdadeiramente artística se ela estiver expressando alguma verdade sobre a humanidade e isso, meu caro leitor, é algo que o tal poder teme demais.

A saída que eles encontram para evitar esse perigo é segregar o trabalho do artista para os guetos, manipular as verdades e determinar que tipo de arte é bonita ou feia, e por aí vai. Para jogar a cultura e a arte num canto escuro, eles são “Tarsilas tortas” em criatividade.

A arte e a cultura trazem a liberdade derradeira. Elas são princípio de tudo o que somos e do que podemos ser. Não há estagnação quando tratamos disso. São elas que criam as palavras que usamos para dar “bom dia”, geram os ícones que dão significado a nossas vidas. A arte, continuamente, dá novos significados para o ser humano, para que ele possa pensar além.

“DEUS ME LIVRE DE TER GENTE PENSANDO POR SI PRÓPRIA!!”, grita um quando planeja o caminho de seu rebanho para as urnas.

Em meus anos como profissional da área, já ouvi muito tipo de despautério vindo daqueles que norteiam nossas vidas no Legislativo e Executivo.

Sei que nunca vou ouvir de tudo, afinal, como dizia Einstein: “Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Não tenho tanta certeza sobre a primeira”.

Uma de minhas idiotices favoritas veio de um certo ser à frente de uma secretaria de cultura: “Vocês [artistas] têm que entender que é muito difícil convencer o pessoal da Assembleia que cultura dá voto”.

Sabe o que é o pior? O tal ser tem razão. E aí vem uma das ramificações desta raiz labiríntica do problema: tudo está invertido.

“Mas cultura não dá alimento, saúde, transporte, casa… Então é a última coisa da pauta. Isso, se der tempo.” É aí que está o engano. A cultura está no princípio de tudo isso. Ela é que define nossa existência, nossos anseios, nossas necessidades. Exigir arte e cultura é, portanto, exigir nosso direito mais importante: ser realmente livre em todos os aspectos do existir. Cooperar com seu abafamento é cooperar com o carcereiro.

Celebremos então a liberdade: pegue o DVD de O Poder Vai Dançar, leia um livro, vá ao teatro, ao cinema, ao museu, a um concerto de música e (re)descubra o poder libertário da arte.

Paulo Biscaia é cineasta, diretor do grupo Vigor Mortis e professor da Faculdade de Artes do Paraná.

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