Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Políticas públicas

Crise financeira ameaça programas de incentivo

Setor cultural passa por mau momento nas três esferas de governo. Sem respostas, artistas abandonam projetos

Regina Vogue teve projeto aprovado, mas não viu o dinheiro | Hugo Harada/Gazeta do Povo
Regina Vogue teve projeto aprovado, mas não viu o dinheiro (Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo)

A crise econômica que tem testado a capacidade administrativa dos gestores públicos não é um problema exclusivo das áreas sociais de maior visibilidade. Nem mesmo a cultura, com seus recursos mais modestos, conseguiu manter-se afastada do redemoinho da escassez e enfrenta, neste início de ano, apuros declarados.

INFOGRÁFICO: Entenda como funciona a Lei Rouanet

As adversidades não são poucas. O atraso de um repasse de verbas prometido pela Fundação Nacional das Artes (Funarte) está prestes a causar uma baixa na programação do Festival de Teatro de Curitiba, cuja grade de espetáculos já foi divulgada.

A peça Como Me Tornei Um Artista de Fuga, com oito encenações previstas para a mostra Fringe, teve sua participação no evento repensada por causa da falta do dinheiro previsto aos aprovados no edital 2014 do Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz.

No Paraná, sete grupos foram contemplados no processo. A dívida do governo federal com estes artistas chega a R$ 550 mil. Levando em conta as outras cem iniciativas selecionadas, o total de investimentos previsto é de R$ 3,75 milhões.

"Estamos totalmente condicionados à liberação desta verba. Inicialmente, eles [Funarte] estavam prevendo para janeiro, depois passou para fevereiro, mas agora não há nenhuma perspectiva. Se de fato a verba ficar para março, não participaremos do festival", desabafa Paulo Alves, que faz parte do elenco da peça. Para a produção do espetáculo deveriam ter sido destinados R$ 50 mil. "Já começamos os primeiros ensaios, mas precisamos do dinheiro para, efetivamente, executar a produção".

Sem explicar exatamente o motivo no atraso dos repasses, a Funarte, que não está em um dos seus melhores momentos, disse que aguarda liberação da verba pela União, para então depositar o dinheiro. A fundação não informou quando isso deve acontecer.

Vinculada ao Ministério da Cultura, a Funarte viu cair em 36% a verba disponível para investir em projetos culturais no país nos últimos dois anos. Com orçamento recorde de R$ 161 milhões em 2012, os investimentos da instituição ficaram condicionados a R$ 103 milhões em 2014.

Deslizes do mecenato

Enquanto os envolvidos no espetáculo Como Me Tornei Um Artista de Fuga ainda vibram pela remota chance de manter as encenações no Festival de Teatro de Curitiba, a artista e produtora cultural Regina Vogue riscou em definitivo sua participação no evento deste ano.

Os ensaios para a peça O Ébrio – baseada na canção escrita e gravada por Vicente Celestino, em 1936 – já estavam engatilhados, mas tiveram de ser interrompidos porque a produtora não conseguiu captar os recursos: cerca de R$ 105 mil, por meio da lei de incentivo fiscal do município de Curitiba, conhecida como mecenato.

Regina está entre os 162 proponentes que, mesmo com projetos aprovados, ficaram e ficarão de fora dos investimentos previstos no edital do mecenato de 2011, o último lançado. Assim como eles, ela não conseguirá mais correr atrás do incentivo porque não há mais essa possibilidade. Além de o prazo fornecido para a captação expirar no próximo mês de setembro, os cerca de R$ 10 milhões liberados, via renúncia fiscal, para 2015, se esgotaram já no início de fevereiro.

"É uma situação muito triste. Crise sempre tem, mas nunca foi tão forte como agora, parece", desabafa a artista. "Entendo que não é só aqui, é em todo o país e em várias áreas. Mas acredito que, com empenho, tem solução".

Para o especialista em políticas públicas Ulisses Galetto, a solução realmente existe e tem nome: habilidade na gestão. Segundo ele, os problemas que hoje afogam a cultura em Curitiba não se resolvem apenas com mais injeção financeira, mas também com mais habilidade na administração dos recursos.

"Nós estamos discutindo um modelo de gestão desastroso nesses últimos dois anos, que não levou em consideração as demandas crescentes de propostas e que não poderia ter aprovado quase 500 projetos no mecenato, sendo que tinha dinheiro apenas para muito menos que isso. A questão também é falta habilidade e criatividade na gestão disso tudo", avalia.

O presidente da Fundação Cultural de Curitiba (FCC), Marcos Cordiolli, reconhece a falha do mecenato de 2011. As normas do documento, formuladas na gestão anterior, permitiram extrapolar os limites de suporte de projetos, mas as regras não tiveram como ser mudadas posteriormente.

"Quando o edital foi realizado, em 2011, houve um acordo da gestão anterior de que todos os projetos que recebessem nota oito automaticamente seriam habilitados a captar. Porém, como toda lei de renúncia fiscal, quando a pessoa recebe um certificado de captação, não significa que ela garanta aquele valor. Depende da capacidade de convencer os incentivadores".

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.