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Obra carrega fragmentos dolorosos da guerra civil. | Divulgação
Obra carrega fragmentos dolorosos da guerra civil.| Foto: Divulgação

O retrato de um país arrasado pela guerra e que busca na sabedoria ancestral uma forma de camuflar o trauma da destruição é a linha que costura O Brilho do Amanhã, primeiro livro de ficção do escritor serra-leoense Ishmael Beah.

A obra é, na verdade, resultado de um desejo do próprio escritor: a história é uma tentativa de fazer com que as pessoas entendam a sensação que os refugiados têm ao retornar para suas casas, devastadas e assombradas pelo fantasma da guerra. Uma realidade atemporal, vivenciada por povos nos quatro cantos do mundo.

Importante é preservar o significado das coisas em tempos de incerteza, diz Beah

Considerado o escritor africano mais popular dos dias de hoje, Ishmael Beah falou à Gazeta do Povos obre a criação de O Brilho do Amanhã, publicado agora pela Companhia das Letras.

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O Brilho do Amanhã perturba. A obra carrega fragmentos dolorosos da Guerra Civil de Serra Leoa, que, entre 1991 e 2002, deixou mais de 100 mil mortos e milhares de mutilados – muitas das vítimas eram crianças.

Seus personagens, apesar de fictícios, são a imagem fiel da realidade. Destacam-se Mama Kadie, idosa de corpo esquelético que junta os ossos espalhados para limpar a cidade; Sila, homem que, assim como os dois filhos, teve um dos braços amputado por um esquadrão de homens armados; e o professor Bockarie, que volta para o povoado com a família e tenta reconstruir a vida em meio à pobreza e à injustiça.

Jovens desacreditados e personagens infantis alheios ao conflito também ajudam a contar a história, que, sutilmente, ainda revela abalo sentido pelas crianças recrutadas como soldados durante a guerra. Situação que não poderia ser deixada de lado, uma vez que Ishmael Beah foi uma criança-soldado. O fato o levou a escrever o livro de memórias Muito Longe de Casa, também publicado no Brasil.

Em O Brilho do Amanhã, a hostilidade enfrentada pelos serra-leoenses após a guerra civil do país ganha uma face ainda mais cruel ao ser relatada dentro de um cenário de tortura política e econômica.

No livro, a corrupção dentro do governo – algo comum no país até hoje – é encarnada pelo diretor escolar que desvia os salários dos professores, e da chefia da região (uma espécie de governador) que cala o direito das pessoas em troca de recompensa.

O tom acusativo também está presente nas cenas que mostram o impacto do extrativismo (a mineração de diamantes, principalmente) entre a população de Serra Leoa.

Essa atividade econômica foi um dos grandes suportes para muitas pessoas que retornaram da guerra sem nenhuma perspectiva. Mas foi também um dos maiores abalos contra a natureza do país e a dignidade da população, que viu sucumbir parte de suas tradições à chegada brusca dos estrangeiros.

Por tudo isso, O Brilho do Amanhã consegue fazer do bárbaro uma história reflexiva e, da ficção, uma porta-voz da verdade. Um livro que, além de impressionante, mostra que, para tudo, há esperança. (AM)

Livro

O Brilho do Amanhã

Ishmael Beah. Tradução de George Schlesinger. Companhia das Letras, 280 páginas. R$ 39,90 e R$ 29,90 (e-book).

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