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Gabeira discutiu diferentes visões sobre as tarefas do Estado na economia em palestra promovida pela Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil (ADVB-PR). | Valterci Santos/Divulgação
Gabeira discutiu diferentes visões sobre as tarefas do Estado na economia em palestra promovida pela Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil (ADVB-PR).| Foto: Valterci Santos/Divulgação

O jornalista e ex-deputado federal Fernando Gabeira (PV) esteve em Curitiba nesta quinta-feira (18) para falar sobre a interferência da política na economia. Na palestra, promovida pela Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil (ADVB-PR), Gabeira discutiu diferentes visões sobre as tarefas do Estado na área, defendendo um modelo de equilíbrio com o papel do mercado.

Na avaliação do ex-deputado federal do Rio de Janeiro, a economia é uma área sedutora para “aventureiros” na política, já que a população tende a ansiar por soluções simples para problemas complexos, criando um terreno fértil para o populismo – uma das características dos governos do PT.

A esquerda se deixou levar pelo populismo, em uma tentativa de agradar à maioria para garantir vitórias eleitorais, sem nenhuma reflexão sobre a consequência estratégica destas opções.

Fernando Gabeira Escritor, jornalista e ex-deputado federal pelo Rio de Janeiro

Para ele, a era petista prometeu uma prosperidade permanente, baseada no aumento do consumo. Ele diz que o PT interpretou a crise financeira de 2008 como um sintoma de que o mercado não funciona – e que, portanto, o Estado deveria ter um papel maior na economia. Este entendimento equivocado, em sua avaliação, deu origem às políticas econômicas de Dilma Rousseff – prejudiciais para o país junto com uma postura de tolerância do partido à corrupção, que levou o Brasil a uma situação de corrupção sistêmica recentemente exposta pela operação Lava Jato.

No campo da política, um aprendizado importante [da crise] foi a visão trazida pelo trabalho da Lava Jato de que a lei vale para todos. Essa sensação é fundamental. É um cimento da democracia.

Idem

Para Gabeira, junto com o “apodrecimento” do sistema político, houve uma tomada de consciência na sociedade brasileira que se manifestou a partir de 2013, influenciada pela revolução digital e pela preocupação com a sustentabilidade no cenário do aquecimento global.

É esta sociedade – mais madura e informada a respeito dos caminhos para um crescimento sustentável do Brasil – que deve ir às urnas em 2018 para eleger um governo com legitimidade para colocar o Brasil em outro caminho. Para Gabeira, que é um dos defensores do impeachment de Dilma, o governo de Michel Temer (PMDB), se tornado definitivo, terá apenas o papel de transição.

Neste processo eleitoral que vivemos neste quarto de século, com dois impeachments, creio que a população amadureceu politicamente e poderá ter uma performance diferente nas eleições de 2018.

Idem

Esquerda

O ex-deputado federal avalia que o populismo adotado pelo PT faz parte de um projeto de poder baseado na ideia de uma revolução socialista por meio de eleições, que inclui a conquista progressiva das instituições do país.

Gabeira, que foi militante da esquerda radical no passado, relaciona este projeto com uma mudança de estratégia que substituiu a luta armada. “No século passado, considerávamos a democracia algo muito débil, que deveria ser superado”, conta o político, que acaba de finalizar um livro sobre o tema – “Democracia Tropical, cadernos de um aprendiz”.

Ele falou à reportagem sobre o tema após a palestra. Veja os principais trechos:

O que esta trajetória do PT, terminando ou não com o impeachment de Dilma Rousseff, representa para a história da esquerda no Brasil?

O PT é o partido dominante na esquerda. O fato de ter se comportado desta maneira comprometeu o PT e a esquerda por muitos anos. Um processo de reinserção com influência na política nacional vai depender de como fizerem a autocrítica do período anterior. Sobretudo daquela visão de que a democracia era apenas um instrumento que iriam utilizar para chegar ao poder.

Este é um projeto que tende a ser abandonado?

Tenho impressão de que uma nova esquerda seria democrática. Não apenas verbalmente – seria democrática no sentido de que ela jamais contaria com um enfraquecimento das instituições em função de um dos poderes.

Também haveria mudanças na visão do papel do Estado na economia?

Acho que na economia também. A esquerda se deixou levar pelo populismo. A própria esquerda de 1964 condenava João Goulart por ser populista. Mas ela mesma se deixou levar pelo populismo, em uma tentativa de agradar à maioria para garantir vitórias eleitorais, sem nenhuma reflexão sobre a consequência estratégica destas opções. Aceitando a democracia, ela talvez vá aceitar um pouco mais, na economia, que o papel do Estado não tem as mesmas características do passado. Como ela não estará construindo o socialismo tal como existia no passado, ela não vai se sentir na necessidade de fortalecer a participação do Estado na economia – e sim, pura e simplesmente, torná-la eficaz.

É tanta coisa para [a esquerda] rever, que não sei exatamente o que vai ficar de pé. Mas há coisas que sempre ficam. As pessoas precisam de aposentadoria, de bons salários, de quem defenda seus direitos.

Idem

De um ponto de vista histórico e simbólico, o que este momento deve significar para a esquerda?

Tenho impressão de que existem muitos elementos que ainda não permitem avaliar. Na Itália, um processo semelhante levou à dissolução do Partido Comunista Italiano. O PCI era muito integrado à sociedade italiana, à história da resistência italiana, e no entanto desapareceu. Talvez a esquerda tenha que viver também um processo de reorganização partidária, de suas ideias políticas, econômicas, e talvez do próprio universo simbólico. A esquerda brasileira se solidarizou com a esquerda latino-americana e com o bolivarianismo. Muito possivelmente outras esquerdas – europeia, americana – já têm uma visão mais crítica deste processo. Primeiro, a suposição de que se vá construir o socialismo por este caminho é equivocada. Segundo, de que vá unir os povos da América Latina neste processo, também me parece romântico e equivocado. É tanta coisa para rever, que não sei exatamente o que vai ficar de pé. Mas há coisas que sempre ficam de pé. As pessoas precisam de aposentadoria, de bons salários, de quem defenda seus direitos.

Este continuará sendo um papel da esquerda?

Há um livro do [filósofo italiano] Norberto Bobbio que diz que, de certa maneira, a esquerda – num sentido de solidariedade, de compreensão de que as pessoas precisam umas das outras – sempre vai existir. Assim como uma direita achando que o fracasso é uma questão puramente individual, de falta de trabalho ou talento. E estas concepções estarão sempre em choque. Agora, em cada momento histórico, elas precisam tomar uma forma. Senão, elas ficam muito extravagantes.

Essa eleição vai mostrar, primeiro, se os movimentos querem lançar candidatos, ou se eles preferem se apoiar em políticos já existentes. Ou se vai haver uma combinação dos dois. Mas é uma tarefa que vai ter que ser resolvida, porque você não pode começar do zero, derrubar todo mundo.

Idem

O que este período deve ensinar para a democracia brasileira?

A primeira coisa que acho que é um aprendizado importante é a gente compreender que o crescimento econômico não é um produto mágico. Ele depende de esforço e uma concentração nos fundamentos. O crescimento econômico não é apenas aumento de consumo. Esse aprendizado implica em rever o tipo de crescimento que nós temos. No campo da política, um aprendizado importante foi que o trabalho da Lava Jato trouxe uma visão de que a lei vale para todos. Essa sensação é fundamental, é um cimento da democracia. A terceira constatação é que a crise mostrou que a população brasileira dispõe hoje de instrumentos de comunicação muito mais poderosos do que no passado. Os smartphones transformaram o cidadão brasileiro em uma pessoa muito privilegiada em relação ao passado.

O que fazer com o descrédito da sociedade em relação à política que também resulta deste processo?

Acho muito difícil que a política se adapte – sempre vai haver conflitos. O que acho que não aconteceu em 2013, mas aconteceu um pouco em 2015, foi uma aproximação da politica, sobretudo da oposição, com alguns movimentos que lutavam pelo impeachment. Mas é uma aproximação ocasional. Não existe ainda vinculo da política com os movimentos. Essa eleição [2018] vai mostrar, primeiro, se os movimentos querem lançar candidatos. Ou se eles preferem se apoiar em políticos já existentes. Ou se vai haver uma combinação dos dois. Mas é uma tarefa que vai ter que ser resolvida, porque você não pode começar do zero, derrubar todo mundo.

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