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O que leva alguém a usar uma máquina de escrever hoje em dia?

É fácil responder: “Nostalgia”. Mas não é bem assim. Uma enquete despretensiosa bastou para listar uma quantidade grande de gente que voltou para essa tecnologia ou que nunca se distanciou dela, assim como um número notável de motivos para isso.

O jornalista Álvaro Borba, de 32 anos, encarna o caso típico do romântico e vintage. Seu primeiro contato com elas se deu – como é o caso de muitos de sua geração – brincando com a máquina encostada dos pais ou avós.

“A máquina exige mais atenção”, diz o advogado Vicente Ganter de Moraes.Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Depois de enveredar pelo boom digital, recentemente ele decidiu comprar um modelo compacto para mandar uma carta especial (percebeu que ainda faltava um detalhe e providenciou um lacre de cera para o envelope). Outras cartas se seguiram e um novo uso estético: “datilografar um post” nas redes sociais, ou seja, fotografar um papel com o texto batido à máquina para aproveitar o visual retrô das letrinhas.

Um motivo mais “nervoso” impulsiona o filósofo norte-americano Richard Polt, para quem todos nós estamos em risco nas redes sociais, e o único modo seguro de se comunicar é datilografando. Ele publicou um livro com dicas para cuidar das velharias.

4 curiosidades

  • Um local que conserta máquinas de escrever em Curitiba é AW Máquinas (R. Com. Macedo, 35 ), (41) 3076-6006. O especialista se chama Mário Bortolaz.
  • São cerca de 25 clientes por mês para conserto – a maioria só quer guardar de lembrança e não usa mais.
  • Os exemplares à venda no local custam de R$ 150 a R$ 250.
  • Ainda é possível achar fitas pretas ou vermelhas em papelarias.

Mas há quem simplesmente nunca parou de usar a máquina, rejeitando o canto da sereia da Microsoft e da Apple, ou ao menos não encostando a Olivetti.

Aconteceu com o advogado Vicente Ganter de Moraes, que começou a trabalhar aos 14 anos em cartório e se deu bem com a técnica da datilografia – ainda mais na função que ocupava, de escrevente.

Já em 1986, seu local de trabalho adotou o primeiro computador. Mas quando as máquinas foram aposentadas de vez, ele manteve o velho hábito em casa para registrar poemas que escreve.

Para a escrita criativa, Vicente é categórico: o computador interfere com o raciocínio. “A máquina exige mais atenção, acuidade, agilidade e cuidado para escrever certinho letra por letra”, disse à Gazeta do Povo. “Faz parte da concentração. É muito zen. No computador você escreve aos trancos e barrancos porque sabe que pode voltar atrás e corrigir.”

Dinossauros?

A ligação entre literatura e datilografia é vivenciada todo dia pelo ativista Geraldo Magela, que publica textos de escritores de idade avançada ou da periferia, em geral escritos à máquina. “Tem aqueles que não sabem mexer no computador. Outros não sabem usar nem a máquina, trazem manuscrito”, conta.

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Na outra ponta da classe artística, o ator Tom Hanks também enveredou pela escrita. Lançou em 2014 um conto na revista “New Yorker” e anunciou um livro de contos sobre a escrita à máquina, seu xodó.

Após ler o referido conto, o jornalista Nicholas Lezard, do Guardian, não perdoou: “A literatura foi escrita em máquina por uns 60, 70 anos no máximo. E apesar de serem imensamente satisfatórias de usar – alinhar o papel, arrancá-lo da máquina, bater a barra de retorno – o que Tom Hanks precisa ter em mente é que elas não produziram apenas boa literatura, mas também uma grande quantidade de lixo. O que não foi culpa delas e sim das pessoas que acharam que usá-las os transformaria em escritores.”

Netflix

“Woody Allen – Um documentário”

O cineasta conta no filme que datilografou tudo que já escreveu na mesma máquina, comprada no início da carreira como humorista. Ele mostra seu funcionamento – e também os papéis amarelos em que anota ideias soltas e depois grampeia tudo para dar origem aos seus roteiros.

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