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Facebook e similares: tornando nossos cérebros obesos | Kimihiro Hoshino/AFP
Facebook e similares: tornando nossos cérebros obesos| Foto: Kimihiro Hoshino/AFP

A grande promessa da tecnologia era que ela nos daria mais acesso à informação e mais liberdade para escolher onde encontrá-la. A ironia é o preço que nos é cobrado.

Esta percepção não é nova. No século 19, o escritor francês Gustave Flaubert chamava a atenção para um novo tipo de estupidez (la bêtise) que grassava a França e que, para ele, era pior que a ignorância pura.

Para Flaubert, tratava-se da terceirização do ato de pensar e da privação da capacidade de julgamento.

Ambas substituídas voluntariamente pela informação de má qualidade dos primeiros meios de comunicação de massa: folhetins apócrifos com boatos e opiniões monoculturais aleatoriamente distribuídos entre a população.

Em muitos casos, em vez de nos aliviar a ignorância, este falso excesso de informação leva a outro extremo: a estupidez completa.

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O filósofo e ensaísta suíço Alain de Botton, escrevendo sobre o conceito de Flaubert, mostra que desde então a livre circulação de informações não é aproveitada da mesma forma por todos.

Pensamento terceirizado

Mas, se na era de Gutenberg, quando viveu e escreveu Flaubert, a massificação do pensamento pariu a estupidez, a questão tomou outra dimensão na atual “era Zuckerberg”.

Nos tempos do Facebook, as timelines estão repletas de notícias sem fontes e sentido, e que mesmo assim influenciam muita gente que se sente informada apenas lendo as redes sociais.

“[Os algoritmos] são o equivalente psicológico da obesidade. Seu cérebro se alimentando diária e exclusivamente de sobremesa açucarada colorida artificialmente”

Danah Boyd site Data & Society

Uma massa de informação de péssima qualidade. Como o fenômeno descrito por Flaubert, que chegou a escrever uma enciclopédia de “ideias feitas” ironizando quem se deixava levar por elas.

Porém, se antes havia uma estupidez por omissão (abrir mão do direito de pensar livremente), hoje a estupidez é ativa e ativista; cheia de certezas, pronta a dar opinião sobre tudo.

A bêtise contemporânea se consolidou, segunda a professora Maria Elvira Malaquias de Carvalho, estudiosa da literatura de Flaubert, porque a modernidade democrática “não garantiu ao homem comum a disponibilidade do conhecimento e do usufruto da ciência, embora, no espaço público, a ciência e o conhecimento pareçam acessíveis a todos”.

Cérebros obesos

Hoje, os algoritmos que controlam os mecanismos de buscas nos mostram algumas coisas e escondem outras. Mimado por eles, vivemos numa bolha na qual todos pensam igual, se elogiam mutuamente e o campo de visão do mundo fica limitado.

Algo que a pesquisadora Danah Boyd , do site Data & Society, chamou de o “equivalente psicológico da obesidade”.“Seu cérebro se alimentando diária e exclusivamente de sobremesa açucarada colorida artificialmente”.

Tudo mascarado pela falsa neutralidade da internet. As tecnologias que favorecem a padronização das buscas só vão ficar mais fortes nos próximos anos.

Autor do livro o “Filtro Invisível”, o pesquisador Eli Parisier diz que estes “protocérebros trabalham para que você se sinta sempre entre velhos amigos, num ambiente falso que vai mudando pelas suas costas”.

Compartilhar sem ler

Mais de 1,5 bilhão de pessoas usam o Facebook para se informar, porém, segundo estudo produzido Columbia University em junho passado, seis entre cada dez usuários compartilham textos que não leram. Flaubert tem cada vez mais razão.

O autor de Madame Bovary dizia ser perfeitamente possível que uma pessoa seja ao mesmo tempo sem criatividade, tacanha e se ache muito bem informada.

“O idiota moderno não tem problemas em saber o que antes só era conhecido pelos gênios, mas ainda assim continuar idiota – uma deprimente combinação e características que as gerações anteriores não tinham com que se preocupar”

Alain de Bottonfilósofo e ensaísta suíço

Ou, como escreveu Botton, o “idiota moderno não tem problemas em saber o que antes só era conhecido pelos gênios, mas ainda assim continuar idiota – uma deprimente combinação e características que as gerações anteriores não tinham com que se preocupar” .

Para o escritor Ernani Só, há outra característica da bêtise contemporânea: a de que os estúpidos quando descobertos se consideram atacados pessoalmente.

“Ele não consegue distinguir a si mesmo, pessoa, das opiniões que tem. Um dos traços distintivos da estupidez é brigar por uma ideia, não discuti-la”.

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