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Sede da NSA (Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos), em Fort Meade, Maryland. Agência ganhou os holofotes após denúncias de que coleta dados de celulares e computadores do mundo inteiro. | -/EFE
Sede da NSA (Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos), em Fort Meade, Maryland. Agência ganhou os holofotes após denúncias de que coleta dados de celulares e computadores do mundo inteiro.| Foto: -/EFE

Primeiro foi Edward Snowden, denunciando em 2013 que a Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos (NSA, na sigla em inglês) conduzia um amplo programa de vigilância que violava os direitos constitucionais americanos. Mais recentemente, no início de março, o WikiLeaks vazou documentos que comprovavam a capacidade da CIA de invadir computadores, celulares e até mesmo televisores com acesso à internet para espionar governos estrangeiros. A impressão é que podemos estar sendo observados a todo instante. Mas será que o temor se justifica?

Um smartphone no bolso, uma smartTV na sala, um notebook em qualquer parte da casa: diariamente estamos rodeados por aparelhos eletrônicos que nos conectam com o resto do mundo – e que, justamente por isso, podem estar sujeitos a invasores externos. Mas até agora as revelações feitas por Snowden e pelo WikiLeaks não deixaram claro se pessoas comuns estão sendo visadas pelas agências de inteligência.

De qualquer forma, a espionagem normalmente se direciona a governos, empresas, figuras públicas estratégicas ou suspeitos de terrorismo: Mark Zuckerberg, criador do Facebook, já foi fotografado cobrindo a webcam e o microfone de seu computador com fita isolante, e Donald Trump acusou Barack Obama de ter grampeado seu escritório durante a campanha eleitoral – sua assessora Kellyanne Conway chegou a falar sobre “fornos de micro-ondas que se transformam em câmeras” para justificar as denúncias de Trump.

“Apenas empresas, governos e figuras importantes precisam redobrar seus cuidados e investir em segurança para não serem espionados por essas agências”

Cláudio Florenzano especialista em gestão de tecnologia da informação e fundador da Comunidade Brasileira de Sistemas de Informação (CBSI)

Como Conway reconheceu em uma retratação posterior, fornos não podem ser usados para espionar uma pessoa. Mas a aparente fragilidade de outros dispositivos eletrônicos que permanecem online parece deixar a todos igualmente vulneráveis, não importando se a pessoa é o presidente dos Estados Unidos ou um brasileiro comum no outro lado do continente.

Para Cláudio Florenzano, especialista em gestão de tecnologia da informação e fundador da Comunidade Brasileira de Sistemas de Informação (CBSI), o grande problema é a dependência tecnológica que temos em relação a softwares e equipamentos vindos do exterior. Apesar disso, ele tranquiliza. “Eu recomendaria apenas a empresas, governos e figuras importantes redobrarem seu cuidado e investirem em segurança para não serem espionados por essas agências”.

E se o governo brasileiro está entre aqueles observados pelas agências internacionais, as denúncias não parecem ter modificado a maneira como o Planalto utiliza suas tecnologias: quando a Operação Lava Jato conseguiu grampear a ex-presidente Dilma Rousseff com facilidade, ficou claro que, mesmo anos depois de ser descoberta a espionagem norte americana, a presidência ainda não utilizava linhas telefônicas criptografadas.

Pouco tempo depois, já no governo Michel Temer, uma lista com as senhas dos principais perfis do governo na internet foi vazada à imprensa – sem qualquer medida de segurança especial, ela era arquivada em um documento mantido no Google Drive.

Usuário comum

A pouca precaução também é parte do cotidiano do usuário comum. Mas, no caso deste, o cuidado não deve ser quanto à CIA ou à NSA, e sim relacionado a algo muito mais corriqueiro: os aplicativos que utilizamos diariamente. O Google, por exemplo, monitora constantemente a localização de seus usuários através do celular, e faz sugestões a partir dos lugares frequentados.

O Facebook utiliza os microfones do smartphone e do computador para direcionar anúncios a partir dos interesses do usuário.

“Nós tendemos a amar novas tecnologias, simplesmente pela inovação que elas representam, mas é preciso uma análise crítica”

Joana Varon uma das criadoras do projeto Chupadados

“O principal problema é que normalmente as pessoas não leem os termos desses aplicativos e saem aceitando tudo de forma indiscriminada. É preciso ter cautela, é como assinar um contrato”, destaca Florenzano. O especialista lembra que os aplicativos têm opções para desativar o monitoramento. “É possível se proteger sem deixar a tecnologia de lado”.

Mesmo assim, voluntariamente ou não, nossos dados e informações pessoais seguem sendo recolhidos diariamente: seja por empresas privadas ou pelos governos, nossos nomes, idades, preferências ou até a própria imagem são arquivadas para os mais diversos fins, nem todos eles éticos. É o que alerta Joana Varon, uma das criadoras do projeto Chupadados, que reúne reportagens sobre como todas essas informações pessoais de milhões de pessoas (também chamadas pelo termo em inglês “big data”) são recolhidas e utilizadas: “as tecnologias podem ser usadas para boas práticas ou para ameaçar direitos. Nós tendemos a amar novas tecnologias, simplesmente pela inovação que elas representam, mas é preciso uma análise crítica”.

Comercializando dados

Quando coletados pelos governos, esses dados podem ser comercializados posteriormente – sem o consentimento dos cidadãos – ou até mesmo usados para planejar campanhas políticas. Segundo o cientista político Eitan Hersh, autor de ‘Hacking the Electorate’, isso já vem acontecendo nos Estados Unidos: “se você tiver dados suficientes, é possível prever como as pessoas vão se comportar, como elas vão votar”, disse, em entrevista ao site Vox. De acordo com o estudo de Hersh, essas informações são eficientes para manipular e mobilizar os eleitores, se analisadas da maneira correta.

No Brasil, a comercialização de “big data” deu seus primeiros passos com a proposta do prefeito de São Paulo, João Doria, de vender os dados coletados pelo Bilhete Único dos transportes da cidade. Dentro do projeto de privatizações de Doria, chegou-se a cogitar a venda de uma gama de informações que incluía nome, endereço, RG, CPF e, em alguns casos, o emprego do usuário ou ainda se ele possui ou não uma casa própria. Acumuladas sem que os paulistanos fossem avisados da possibilidade de venda dos dados, essas informações poderiam acabar nas mãos de empresas para ajudar a definir estratégias de marketing e comunicação.

“Se você tiver dados suficientes, é possível prever como as pessoas vão se comportar, como elas vão votar”

Eitan Hersh autor de ‘Hacking the Electorate’

Para Joana Varon, é preciso que empresas e governos tenham consciência dos riscos à segurança e à privacidade causados por essas práticas: “já temos inúmeras histórias de bancos de dados que caem no acesso público e, para muitas empresas, a equação tem sido: dado armazenado igual a dado vazado”.

Ela entende que ainda faltam explicações mais claras para que o usuário comum compreenda o que está em jogo quando cede seus dados para utilizar um serviço, seja ele virtual ou real: “os usuários devem ter acesso a informações fáceis e acessíveis para poder configurar seus padrões de privacidade. Os dados são nossos, devemos poder manter nosso poder de autodeterminação sobre eles”.

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