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(gê.ne.se) sf. 1 Formação, constituição, origem: a gênese do mal. Gênese sm. 2 Rel. Livro bíblico onde se registra a história da criação da vida e da humanidade.

Fonte: Dicionário Caldas Aulete da Língua Portuguesa/Edição de Bolso.

Ler a Ilíada é uma experiência que, de certa maneira, prevê a "companhia" de um ou mais dicionários. Não que a obra tenha sido construída com sinais indecifráveis. Há, por exemplo, apenas dois neologismos, isso na tradução de Odorico Mendes, de 1874, a mais conhecida e respeitada no idioma português. As demais (muitas) palavras são (e estão) todas dicionarizadas.

Logo no início, o leitor se depara com lutuosa (que significa sinistra), desprouve (desagradou) e outros "enigmas".

Octávio Camargo penou para entrar no universo criado por Homero. Há dez anos, ele criou, em Curitiba, a Cia IliadaHomero de Teatro (o nome é assim mesmo, sem espaço). A trupe tem 24 atores, um para cada um dos cantos. O ator Richard Rebelo, o "dono" do 16º canto, já declamou os 754 versos do "seu" canto na Biblioteca Mario de Andrade, em São Paulo, no Museu da República e na Favela da Maré, no Rio de Janeiro, entre outros pontos do país. Claudete Pereira Jorge, outra integrante da companhia, apresentou o canto 1, em português, na Grécia.

Um dos objetivos desse projeto é colocar em cena os 24 atores declamando os 24 cantos.

Ainda na década de 1990, Camargo recorria ao dicionário Caldas Aulete para decifrar a rica tradução que Odorico Mendes fez para o livro fundador da cultura grega (e ocidental). Mas, aos poucos, o escritor e pesquisador Sálvio Nienkötter começou a colaborar nessa jornada, que é decifrar a Ilíada: ele fez notas para todas as palavras, de todos os versos, dos 24 cantos.

Esse monumental trabalho se traduziu na mais recente edição da Ilíada, de 908 páginas, publicada pela Ateliê Editorial em 2008.

O novo "catatau" traz nas páginas ímpares o texto traduzido por Odorico Mendes, e as páginas pares contêm a tradução de palavras, nomes e locais, o que facilita, e muito, a leitura, sem que o leitor tenha de consultar um dicionário.

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Na última quarta-feira (10), o ator Richard Rebelo e as atrizes Patrícia Reis Braga e Chiris Gomes discutiam com Octávio Camargo e Sálvio Nienkötter detalhes sobre a Ilíada, em uma das salas da casa de Camargo, no Alto da XV. Em uma outra sala, o diretor de teatro Marcelo Marchioro coordenava os primeiros ensaios para a montagem de Medeia, que estreia dia 6 de maio, no Guairinha, com as atrizes Claudete Pereira Jorge e Helena Portela.

Das 16:12 às 19:24, as duas equipes dialogavam continuamente. As atrizes do elenco de Medeia consultavam a equipe de a Ilíada em busca de informações sobre palavras, expressões e contextualização histórica.

"A Ilíada é um dicionário", diz Camargo. A afirmação não se refere apenas ao fato de o texto, atribuído a Homero, provavelmente do século 8 a.C., ser o primeiro registro que persiste da cultura grega, portanto, anterior a qualquer dicionário grego. "A Ilíada revela como o povo grego pensava, além de ser o maior tratado sobre retórica que temos no Ocidente", afirma.

O longo poema grego narra os acontecimentos do décimo e último ano da Guerra de Tróia. Cerca de 70% do livro, ou mais, mostra derramamento de sangue. Mas, obviamente, esse monumento estético tem muitas camadas e sugere incontáveis reflexões.

Em meio à polifonia do ensaio, Camargo lembra que todo dicionário, no Brasil, costuma ser chamado de "pai dos burros". Então, ele pergunta: Mas quem é o pai dos dicionários? Há silêncio, e ele mesmo responde: "Os pais dos dicionários são os livros. Basta consultar um dicionário para comprovar: os dicionaristas usam, como exemplos de bom uso de uma palavra, trechos de obras de autores que se destacaram no prática com a palavra escrita. Então, por essa, e por outras, é preciso dizer por aí: os pais dos dicionários são os livros", argumenta.

A Ilíada, seguindo o raciocínio de Camargo, seria não apenas o "pai" dos dicionários gregos, mas de praticamente todos os livros ocidentais, por ser apontado como o modelo fundador de representação literária, que estabeleceu uma tradição com desdobramentos em Dom Quixote, de Cervantes, e Ulisses, de James Joyce, entre diversos clássicos.

Nienkötter observa que na Grécia, antiga, para "algo" existir era preciso, antes de tudo, que esse "algo" tivesse nome. "Hoje mesmo, conhecemos coisas que talvez nem existam, como mula sem cabeça, mas essa 'coisa' tem nome. No entanto, não conhecemos nada sem nome", diz. O estudioso afirma, então, que a ideia de que "tudo tem nome" dialoga com dicionário. "Afinal, é no dicionário que encontramos o significados das coisas. E, desde a Ilíada, o que existe é o que tem nome", finaliza.

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