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Memorial para as vítimas em Paris desafia: “Vive la France!”. | Kacper Pempel/Reuters
Memorial para as vítimas em Paris desafia: “Vive la France!”.| Foto: Kacper Pempel/Reuters

Os atentados da sexta-feira 13 nas ruas de Paris mataram 130 pessoas e sangraram a tradição de liberdade criativa e de costumes da capital francesa, mas desencadearam por outro lado o renascimento de um livro formidável.

Nos dias que sucederam os ataques, o romance “Paris é uma festa” – memórias dos anos de juventude e formação literária do escritor Ernest Hemingway na Paris dos anos 1920 – virou novamente um best-seller.

O título esgotou nas livrarias da capital francesa. E chegou ao primeiro lugar na seção de biografias do site local da Amazon. De acordo com informação da agência de notícias France Press, a editora que publica a tradução francesa do romance vendia uma média de 8 mil exemplares anuais da obra antes dos atentados. Na semana passada, foi encomendada uma reedição de 15 mil exemplares.

Memórias falam da Paris cultuada por escritores

Em “Paris é uma festa”, o escritor americano Ernest Hemingway narra os anos em que viveu na capital francesa na década de 1920 como parte do círculo dos escritores expatriados que se esbarravam por lá

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O livro “Paris é uma festa” se tornou um símbolo de resistência parisiense à brutalidade nas mãos das pessoas ou deixado entre as flores e velas que homenageiam os caídos nos locais dos ataques.

Biblioteca John Fitzgerald Kennedy

As memórias de Hemingway viveram um ressurgimento semelhante ao do “Tratado da Tolerância”, de Voltaire, em janeiro passado, após o ataque contra a revista “Charlie Hebdo”. A obra do filósofo chegou a vender 120 mil exemplares.

Mas por que o livro de Hemingway, escrito há mais de 50 anos, reapareceu nas mãos de novos e antigos leitores como um alento à tristeza que abateu Paris após um dos piores momentos da vida na cidade?

Parte do fenômeno se explica pelo simbólico e desafiante título do livro em francês: “Paris est une fête” ou “Paris é uma festa”, mesma forma adotada para as traduções em português. Nos dias depois dos ataques, o título em francês do livro tornou-se uma hashtag no Twitter .

Com o nome original em inglês, “A moveable feast” (ou “Uma festa móvel”, em tradução livre), talvez isso não ocorresse.

O título original faz referência àqueles feriados que mudam de dia conforme o calendário do ano, como o Carnaval e a Páscoa; uma brincadeira de Hemingway com o sentimento de feriado permanente vivido por ele e mais uma plêiade de intelectuais na Paris daquele tempo.

Mas o livro também renasceu porque nenhum outro autor não francês amou Paris tanto quanto Hemingway.

50 anos

Em 2014, “Paris é uma festa” completou 50 anos desde sua primeira publicação, que foi póstuma (Hemingway se matou em 1961, aos 61 anos). Para marcar a data, a editora Scribner lançou uma “edição restaurada” do livro, baseada em anotações deixadas pelo autor. A empreitada foi tachada de oportunista, mas a edição resultante dela até que é bem bonita.

Esse sentimento está em cada parágrafo de “Paris é uma festa”, mas também nas muitas cartas que o escritor enviou a amigos.

Nessas cartas compiladas em vários volumes publicados pela Penn State University (ainda inéditos no Brasil), as missivas enviadas dos endereços parisienses entre 1926-1929 mostram o autor entusiasmado com a cidade que descreve de forma sensual para o amigo Ernest Walsh, numa carta em que comemora a edição do seu primeiro livro, “O sol também se levanta.”

“Estar de volta a Paris é excitante como o diabo. Tenho bebido muito vinho e me sentindo muito bem por ter feito o livro”, escreveu Hemingway

A professora de literatura Sandra Spanier, uma das editoras das cartas de Hemingway, disse em entrevista à revista “The Atlantic” que é “fascinante que os parisienses tenham adotado ‘Paris é uma festa’ para resistir à barbárie”.

Para ela, o livro ajudou a formatar a “imagem duradoura que Paris tem no imaginário coletivo mundial”.

No livro, Hemingway escreve de forma lírica sobre uma Paris que era o melhor lugar do mundo para viver e trabalhar, o lugar onde tudo era possível, sobre um modo de vida em que todas as necessidades facilmente se encaixavam para um jovem escritor que podia se sentar por horas sobre um café com leite e escrever.

Para Spanier, depois dos atentados, os parisienses feridos precisavam reencontrar o amor por sua cidade e o fizeram por meio dos olhos de Hemingway e de tantos outros que prestaram tributo à capital francesa no mundo todo.

“Talvez eles gostem do fato de que Paris é apreciada por não parisienses. Hemingway certamente expressa isso de uma forma que transcendeu o tempo”, diz Spanier.

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