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Clássicos : livros que nunca saem de moda | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
Clássicos : livros que nunca saem de moda| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Você entra em uma livraria e se depara com uma enxurrada de lançamentos e os novos best sellers do mercado, certo? De Harry Potter a Cinquenta tons de cinza, passando pelo novo Paulo Coelho e o livro-que-você-precisa-ler-para-salvar-a-sua-vida. Mas é possível também que você note uma quebra do padrão: um Machado de Assis aqui, um Victor Hugo ali. Talvez até Os Lusíadas, de Camões, ou a Odisseia, com suas rugas de quase três mil anos.

Pode parecer contraditório, afinal, como esses livros podem se relacionar com um leitor que vive no mundo do século XXI, com toda a tecnologia e avanço científico que vivemos? Por que ler um clássico hoje?

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“Se quisermos, de fato, fazer parte da civilização, basta lembrar que os clássicos condensaram ao longo da história escrita o que de melhor se pensou e se criou sobre a condição humana. Acho que é uma boa razão para conhecê-los”, respondeu o escritor Cristovão Tezza diante dessa pergunta.

Além disso, para o escritor não existe de fato uma contradição entre esses livros e o mundo de hoje. “Leia-se Odisseia, Romeu e Julieta, Dom Quixote, Crime e Castigo, Admirável Mundo Novo, Guerra e Paz - e vamos descobrir que, de carroça ou automóvel, lampião ou lâmpada led, com mensagens em papiros ou por Whatsapp, as pessoas continuam rigorosamente as mesmas. Nada mais saudável do que um clássico para nos lembrar disso”, complementa.

“Leia-se Odisseia, Romeu e Julieta, Dom Quixote, Crime e Castigo, Admirável Mundo Novo, Guerra e Paz - e vamos descobrir que, de carroça ou automóvel, lampião ou lâmpada led, com mensagens em papiros ou por Whatsapp, as pessoas continuam rigorosamente as mesmas. Nada mais saudável do que um clássico para nos lembrar disso”

Cristovão Tezza escritor

Mas o que é um clássico? O intelectual e escritor italiano Ítalo Calvino (1923-1985) buscou responder essa pergunta em seu livro Por que ler os clássicos (Companhia das Letras, 2007). Sua primeira resposta é: “Os clássicos são aqueles livros dos quais, em geral, se ouve dizer ‘Estou relendo…’ e nunca ‘Estou lendo…’”. A décima quarta e última afirma que clássico é “aquilo que persiste como rumor mesmo onde predomina a atualidade mais incompatível”.

A sétima proposta é particularmente interessante: “Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes)”.

Fato é que não se pode definir um livro clássico apenas pela sua idade ou erudição. Muitos livros antigos não chegaram até nós por azar e falta de manutenção dos manuscritos, enquanto outros foram desaparecendo com o tempo - uma indicação do público ou dos editores de que aquela leitura talvez não valha a pena. E existem também os clássicos modernos - livros que, apesar de recentes, conquistaram um lugar no panteão literário. Além, é claro, dos clássicos instantâneos: livros que fizeram sucesso quando foram publicados e nunca mais foram esquecidos, como Cem Anos de Solidão, de Gabriel Garcia Marquez.

Para responder essa pergunta, Tezza também evoca o Calvino: “um clássico é um livro que, ao longo do tempo, nunca esgota o que tem a dizer”. E tanto é verdade que os clássicos continuam dialogando com leitores de séculos diferentes e, mesmo em releituras, não esgotam seu conteúdo.

Os clássicos continuam, portanto, firmes e fortes nas prateleiras das livrarias - por vezes até em múltiplas edições e em novas coleções e traduções, que possibilitam diversas opções para o leitor. Um motivo para isso acontecer é que os clássicos costumam ser viáveis economicamente - muitos dos livros estão em domínio público, ou seja, podem ser publicados sem a necessidade de pagamentos de direito autoral para o autor ou herdeiros (no Brasil, as obras entram em domínio público 70 anos depois da morte do autor).

“Em geral, os clássicos são livros que não vendem como best sellers, mas em contrapartida têm vida muito longa, e constituem um catálogo duradouro e de ótima qualidade para qualquer editora”, conta Rodrigo Lacerda, tradutor e diretor da coleção de clássicos da editora Zahar. Além disso, ele acredita que os clássicos criam um diálogo histórico importante: “os clássicos são denominadores culturais comuns, que uma geração compartilha com a outra”.

“Se o vínculo emocional entre o leitor e os personagens e autores do passado se estabelece, todas as distâncias de tempo, de cultura, de linguagem são superadas”

Rodrigo Lacerdatradutor e diretor da coleção de clássicos da editora Zahar

Lacerda já recebeu dois Jabutis por suas traduções de O Conde de Monte Cristo e Os três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas, feitas em parceria com o André Telles. Para Lacerda, a maior dificuldade de tradução de um clássico é achar uma harmonia entre o tom do autor e os tempos de hoje: “a escolha no universo vocabular é importante para isso, e também encontrar a estrutura sintática que seja fiel ao autor mas, nem por isso, pareça empolada demais ou formal demais ao leitor de hoje”, explica.

“Se o vínculo emocional entre o leitor e os personagens e autores do passado se estabelece, todas as distâncias de tempo, de cultura, de linguagem são superadas”, complementa Lacerda.

E é justamente essa questão emocional que atrai muitos leitores para o universo dos livros clássicos. O professor de língua portuguesa e alemão Rafael Klassen Martens se tornou um leitor frequente de clássicos depois de ter lido Anna Karenina, de Leon Tolstói, em 2012. Desde então, busca em listas e indicações suas próximas leituras. A mais marcante de todas? Os Miseráveis, de Victor Hugo.

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Para ele, a leitura de clássicos é uma forma de entender o mundo e é o principal motivo pelo qual ele lê esses livros. “Eles mudam nossos paradigmas, mostram a humanidade. E como é uma relação entre o livro e o leitor, podemos lidar com isso sozinhos, sem que ninguém fique sabendo em um primeiro momento”. Além disso, Martens conta que a leitura de livros como O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo; Guerra e Paz, de Leon Tolstói; O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint Exupéry; e O Sol é para Todos, de Harper Lee, fez com que ele desenvolvesse mais empatia e fosse mais compreensível com as pessoas a sua volta.

Para Tezza, as leituras são uma grande influência não apenas em sua obra, mas também em sua vida. “O mergulho na leitura sempre deixa marcas, mas, na boa literatura, nunca de uma forma didática ou esquemática. A empatia literária amplia substancialmente a nossa percepção do mundo e das pessoas. Eu considero a ficção uma das armas mais sutis de compreensão do caos que nos cerca”, finaliza.

Eternos

Os autores dos clássicos são também os mais lembrados pelos leitores - Machado de Assis foi apontado como autor mais conhecido entre os brasileiros na pesquisa Retratos da Leitura de 2015, seguido por Monteiro Lobato. Na lista aparecem ainda Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector e José de Alencar, ao lado de escritores mais contemporâneos como Paulo Coelho, Augusto Cury, Maurício de Souza e John Green. Monteiro Lobato encabeça a lista de autores de quem mais gostam da mesma pesquisa, seguido por Machado de Assis.

Machado de Assis está no topo da lista de livros de autores nacionais que mais são adicionados nas estantes dos usuários da rede social Skoob, focada na troca de informações sobre leituras. Dom Casmurro foi marcado como lido por 2.453 usuários em setembro, seguido por O Cortiço, de Aluísio de Azevedo, marcado como lido por 1.353 pessoas. Ainda na lista estão Memórias Póstumas de Brás Cubas, também de Assis; Capitães da areia, de Jorge Amado; e Iracema, de José de Alencar.

Coleções

Uma das vantagens dos clássicos é que normalmente o leitor pode escolher diferentes edições disponíveis no mercado, desde edições de bolso com preços mais acessíveis até coleções com acabamento de luxo, muitas notas explicativas e materiais complementares. Veja algumas das opções disponíveis nas livrarias:

Clássico para Todos

A coleção, lançada na Bienal do Livro de São Paulo de 2016, é resultado de uma parceria entre Saraiva e Nova Fronteira e já conta com 36 números lançados - o número deve chegar a 90 até o final de 2017. São livros nacionais e internacionais que já faziam parte do catálogo da Nova Fronteira, alguns com edição esgotada. Entre os primeiros títulos publicados estão Romeu e Julieta, de Shakespeare; Dom Casmurro, de Machado de Assis; e O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna. As edições de bolso tem preços que variam entre R$14,90 e R$29,90 e estão disponíveis nas livrarias da rede Saraiva.

Clássicos Zahar

A Zahar oferece duas opções para o leitor: as edições de bolso, que contam com o texto integral das obras ou as edições comentadas, livros maiores com notas explicativas e textos de apoio. A coleção conta com 34 volumes em edição comentada e 23 em edição de bolso - todos em capa dura e de acabamento primoroso. Entre os lançamentos desse ano estão O Último Adeus de Sherlock Holmes, de Arthur Conan Doyle; O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë; e Os Livros da Selva”, de Rudyard Kipling. Um dos lançamentos já previstos para 2017 é O Homem Invisível, de H.G. Wells. A coleção tem também um cuidado com a tradução das obras, sendo que algumas foram premiadas.

Penguin-Companhia das Letras

A Penguin começou a publicar suas coleções com capas brochura e preços mais acessíveis em 1935 no Reino Unido e em 1946 fundou a Penguin Classics, coleção de livros clássicos. A parceria com a editora Companhia das Letras foi firmada em 2010, permitindo assim a publicação de todo o catálogo da editora britânica no Brasil. As edições têm capa simples e um investimento em traduções, prefácios, notas e cronologias. Atualmente são 112 títulos em catálogo e novos livros são lançados mensalmente.

Clássicos Autêntica

A proposta dessa coleção é trazer os clássicos infantis para o Brasil - entre as publicações recentes estão Pollyana, de Eleanor H. Porter, publicado pela primeira vez em 1913, e duas antologias de contos chamadas As Mais Belas Histórias, com textos do Andersen, dos irmãos Grimm e do Perrault. Ainda em 2016 deve ser lançado Heidi, da suíça Johanna Spyri. Os lançamentos previstos para 2017 são: Alice no País das Maravilhas e Alice através dos Espelhos, O Mágico de Oz, Peter Pan, Viagens de Gulliver e Tarzan. Voltados para o público infantil, os livros contam com tradução dos textos integrais e ilustrações. Em torno de R$29,90.

Coleção Clássico Ateliê

A coleção da Ateliê Editorial traz vários nomes da literatura brasileira e portuguesa - como Machado de Assis e Eça de Queirós - em edições com textos introdutórios e notas explicativas.

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