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Arte do gaúcho  Carlo Giovani para o livro A Origem do Japão. | Divulgação
Arte do gaúcho Carlo Giovani para o livro A Origem do Japão.| Foto: Divulgação

Narrar os mitos que explicam o surgimento do Japão para um público jovem é tarefa cumprida com elegância pelas escritoras Lica Hashimoto e Nana Yoshida no livro A Origem do Japão, parte da coleção Mitos do Mundo, da Cosac Naify. O texto delas é claro, direto e envolvente, e pontuado pelas ilustrações de Carlo Giovani – ele criou personagens e cenários feitos de papel que compõem imagens com isso um efeito dramático impressionante. Na entrevista a seguir, Lica Hashimoto explica como foi destrinchar os mitos japoneses, apoiados nos ombros de deuses como Ookuni-Nushi-No-Kami, o Deus-das-Grandes-Terras.

A linguagem do livro é uma das coisas que mais me chamou atenção: ela é quase coloquial, direta, e consegue estabelecer uma espécie de conversa com o leitor. (Imagino que esse efeito seja proposital.) Você poderia falar um pouco sobre a criação do texto e as escolhas que fizeram à medida que foram desenvolvendo a narrativa?

Que ótimo termos alcançado nosso objetivo de manter uma “conversa” com o leitor. Tratando-se de um livro voltado para o público infantojuvenil, nossa primeira preocupação foi a de buscar uma linguagem que possibilitasse um diálogo a respeito do nascimento do Japão, segundo as narrativas antigas.

A história dos homens antigos que não conheciam a escrita chegou, aos nossos dias, através das tradições orais ou artefatos como os haniwa, objetos de terracota representando homens, animais ou objetos, encontrados nos gigantescos túmulos kofun, datados dos primeiros séculos da história do Japão. Para narrar a era dos deuses, tomamos como base uma obra muito antiga, aliás a mais antiga do Japão, denominada Kojiki (Registros de Fatos Antigos), datada do ano 712 que foi escrita originalmente em estilo chinês anômalo. O nosso texto encontra-se baseado na versão japonesa.

Kojiki é uma compilação baseada em tradições orais e textos que se encontravam sob a guarda da aristocracia e da família imperial. Conta a história do Japão, desde a criação do mundo até a época da imperatriz Suiko, soberana que viveu no início do século 7.º. Para escrevermos o presente livro, realizamos uma releitura dos relatos de Kojiki e selecionamos os episódios que nos pareceram essenciais no processo de surgimento e estabelecimento do país. Entre os numerosos deuses destacamos alguns, principalmente os descendentes de Izanagui e Izanami, o casal que gerou o Japão.

A Origem do Japão

Nana Yoshida e Lica Hashimoto. Ilustrações de Carlo Giovani.
Cosac Naify, 96 pp., R$ 39,90.

Ao narrar os mitos em torno da origem do Japão, qual foi a maior dificuldade enfrentada por vocês? (Arrisco dizer que os nomes dos personagens representam uma pequena barreira – um leitor brasileiro tende a enroscar na leitura deles.)

Inicialmente, enfrentamos a complexidade da própria narrativa, onde as relações entre os numerosos deuses numa leitura corrida nos levou a montar uma árvore genealógica resumida. Quanto aos nomes dos deuses, realizamos um levantamento de todos os deuses presentes (ou correlacionados) nos episódios selecionados. Elencamos os nomes em japonês e estes foram posteriormente traduzidos ou acrescidos de epítetos. O problema da extensão pareceu-nos, à primeira vista, um grande obstáculo, mas chegamos à conclusão de que não deveríamos subestimar a capacidade das crianças e adolescentes de se familiarizarem rapidamente com os nomes dos deuses, por estarem habituados a memorizar os complexos nomes de heróis e heroínas dos mangás ou animes.

Para você, qual é o valor que os mitos podem ter hoje, num mundo onde ninguém sai de casa sem metadados e estatísticas?

O mito é associado às origens, a algo de um passado distante e oposto à ciência, na medida em que esta representaria a verdade (comprovada) e o mito, a falsidade (contada). Originalmente, o mito surge diante da necessidade do homem em conhecer as origens do mundo e, principalmente, do próprio homem. Naturalmente, essas explicações míticas foram substituídas por outras consideradas mais racionais e científicas. Não se pode, no entanto, deixar de lembrar que estudiosos como Mircea Eliade destacam a importância do mito que “conseguiu sobreviver, embora radicalmente modificado (se não perfeitamente camuflado)”, senão como explicar alguns “comportamentos míticos” preservados no inconsciente coletivo e transmitidos até os dias de hoje? O homem moderno continua em busca de respostas para suas inúmeras indagações e quando não encontra uma resposta plausível, recorre, por exemplo, à ficção científica repleta de “heróis míticos” modernos.

Como foi o trabalho com o ilustrador? Vocês conversaram bastante? Havia um roteiro de ilustrações possíveis?

Ilustrador renomado e conhecedor da cultura japonesa, o trabalho de Carlo Giovani ficou além das nossas expectativas. Utilizando-se de material como o papel japonês e técnica como a dobradura largamente difundida no Japão, suas ilustrações harmonizaram-se com o espírito dos mitos de Kojiki e tornaram-se expressões exatas de nossas palavras.

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