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Aurora polar no Polo Norte (janeiro de 2009). | Kshitijr/Creative Commons
Aurora polar no Polo Norte (janeiro de 2009).| Foto: Kshitijr/Creative Commons

A vida cotidiana, permeada de caos e monotonia, é uma aventura envolvente no livro Minha Luta 2 – Um Outro Amor, de Karl Ove Knausgård. O escritor norueguês que se tornou um fenômeno com a série Minha Luta (composta por seis livros, três deles publicados em português), fala, basicamente, sobre a rotina em Estocolmo, na Suécia, com três crianças pequenas e mais a esposa, marcada por altos e baixos emocionais.

A obra deve interessar para quem se vê às voltas com uma rotina semelhante, mas vai muito além.

Na narrativa de tom autobiográfico, Knausgård fala das crises que enfrenta no processo criativo, faz análises da sociedade em que vive por meio de suas desastradas interações sociais e apresenta descrições prazerosas sobre a paisagem natural e a urbana. Não é possível saber exatamente o que são fatos e o que é criação dele. Isso é o que menos importa e, ao mesmo tempo, uma das coisas fascinantes, pois algumas situações são tão instigantes que impressionam de qualquer jeito (inventadas ou não). Por exemplo, quando Knausgård, ainda casado com a primeira esposa, se vê apaixonado por Linda, aquela que viria a ser a segunda. Sem saber o que fazer, corta o rosto com um pedaço de vidro e se torna uma figura grotesca para os colegas que estão com ele em um encontro literário.

Essa é uma das cenas em que a dor pessoal tem mais impacto físico, no geral os reflexos dos sentimentos são mais sutis nos personagens. Se no primeiro livro da série, A Morte do Pai, Knausgård tratava da intimidade profunda, das desgraças que ocorrem na família e geralmente não ganham real dimensão fora do plano íntimo. Em Um Outro Amor ,ele trata dos detalhes corrosivos da intimidade cotidiana, o caos diário de uma casa bagunçada e da falta de comunicação para decidir quem vai lavar a louça, daquilo que não soa tão grave quando relatado, mas que se perdurar muito pode ser tão destruidor quanto a tragédia da doença e da morte. “Como era possível jogar a vida fora bufando por causa de afazeres domésticos?”, se questiona o autor-personagem.

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Knausgård contrasta o momento de êxtase do primeiro ano de relacionamento com Linda, aquele momento de felicidade plena e até abobalhada da paixão, com dias coloridos de verão, e a queda na real, o misto de alegria da chegada dos filhos e o peso da responsabilidade, a opressão das coisas que simplesmente precisam ser feitas. Ele é extremamente direto sobre o estado emocional de Linda, que esteve internada em uma clínica psiquiátrica antes do relacionamento. Ao mesmo tempo que a descreve como uma mulher bonita, sensual, inteligente, articulada e mãe zelosa, Knausgård relata como em muitas situações ela é praticamente incapaz de contribuir para a organização da casa, a condução da vida prática e tem rompantes de fúria. Não é à toa que esposa teve uma crise depressiva depois da publicação do livro.

Oh, a luz do Ártico

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O norueguês também fala da sua experiência como típico pai escandinavo, ou seja, aqueles que participam, que têm direito a licenças mais extensas ou fazem arranjos na vida profissional para dividir de verdade ou até assumir a maior parte do cuidado das crianças, a fim de que a mulher possa trabalhar e evoluir intelectual e profissionalmente.

Knausgård narra com uma sinceridade hilária seus embates internos entre o homem avançado e feminista do século 21, que pensa que as coisas devem ser assim mesmo, e o cara que, na prática, se sente ridículo empurrando carrinhos de bebê por Estocolmo. Ele descreve como se esforçava para fazer o tempo passar enquanto cuidava da primeira filha Vanja, passeando por sebos e cafés da cidade. Intercalando Dostoiévski e reflexões literárias com papinhas e trocas de fralda.

Enquanto se lê a obra de Knausgård, é interessante fazer o exercício de imaginar como ele viria a ser um fenômeno da literatura mundial diante daquela montanha-russa de bagunça e tédio típicos de qualquer família de classe média com filhos pequenos. É fato que essa vidinha lhe serviu de inspiração. Mas como ele conseguiu organizar tudo de forma tão genial?

Se você estiver buscando um estímulo para acreditar que a sua vida vai mudar, pode até acender uma fagulha de esperança. A vida dele estava de pernas para o ar, ele não conseguia produzir. E, de repente, surge uma série de sucesso, traduzida em diversos idiomas. Que consolador!

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